podem tentar explicar-me
mas eu jamais perceberei a fúria com que proclamados defensores dos direitos lgbt certificam que depois da aprovação do casamento civil das pessoas do mesmo sexo, que se prevê ocorra na sexta, a adopção (por qualquer motivo esquecem-se -- ou ignoram? -- de todas as outras questões de parentalidade que é necessário dirimir no que respeita a homossexuais) só ocorrerá daqui a um milénio (ou dois). gostam assim tanto da derrota, da infelicidade e da frustração ou é só despeito pêesseófóbico?
olhar para qualquer cronologia de luta pelos direitos de uma parte discriminada da população implica perceber que raramente (nunca?) se obtém a absoluta igualdade de uma vez. já disse isto muitas vezes, mas o primeiro reconhecimento legal da existência de casais de pessoas do mesmo sexo ocorreu apenas há nove anos -- dois anos depois de uma primeira lei das uniões de facto excluir os casais de pessoas do mesmo sexo.
houve avanços e recuos nestes nove anos -- e um dos recuos mais essenciais e determinantes da situação em que se está no que respeita às questões de parentalidade lgbt ocorreu em 2006, com a aprovação de uma lei de procriação assistida (pma) que só admite o recurso à técnica a casais hetero, casados ou em união de facto, excluindo 'mulheres sós'. uma exclusão para a qual concorreram todos os partidos -- incluindo o be e o pcp, que só admitiam pma para 'mulheres sós inférteis' (ou seja, mulheres com diagnóstico de infertilidade prévio). a lei de pma que temos, já aprovada após a alteração do artigo 13º da constituição para nele incluir a interdição da discriminação em função da orientação sexual é, com a interdição de acesso à adopção consagrada na lei das uniões de facto de 2001, a precursora da interdição da adopção que a assembleia da república deverá consagrar na sexta-feira, ao votar uma nova formulação do código civil que permita o casamento de pessoas do mesmo sexo. estranho não ter visto alguns dos que agora arrepelam os cabelos com o projecto-lei do ps invectivar todos os partidos que permitiram uma lei de pma que antes de ser homofóbica é repelentemente machista. e estranho que não tenham na altura esganiçado a voz e as teclas dos laptops a agoirar cem anos pelo menos de martírio até se chegar a uma nova landmark na luta pelo reconhecimento dos direitos lgbt e, já agora, das mulheres.
querem a adopção para casais do mesmo sexo? porra, eu também. quero isso e procriação assistida para as mulheres que a queiram e possam pagar -- percebo que o estado não pague a pma a quem não tenha diagnóstico de infertilidade, mas não percebo que a proíba de todo -- e a co-adopção (a possibilidade de adoptar o filho adoptado do outro membro do casal do mesmo sexo), e a possibilidade de se constituírem em famílias de acolhimento. quero tudo. e é porque quero tudo e nunca o escondi que não aceito lições de moral e estratégia de gente que não se envergonha de dizer que se calhar era melhor que o projecto do ps não passasse. melhor? para quem? como melhor? era melhor que não se tivesse aprovado a lei das uniões de facto, também? era melhor que até hoje os casais de pessoas do mesmo sexo não tivessem qualquer reconhecimento legal, porque lhes falta o acesso à adopção? era melhor que nunca se tivesse descriminalizado a homossexualidade porque não foi automática a equiparação da idade do consentimento para relações hetero e homo?
e ainda têm estes dribleurs da opinião o descaramento de acusar os outros de tacitismo.
adenda: a propósito de coisas sem importância nenhuma, como o reconhecimento das relações entre pessoas do mesmo sexo, leiam esta notícia do dn de hoje (a assinatura, que falta, é minha). falta também na net o texto secundário em que o novo vereador do pelouro, carlos carreiras, assume ao dn a intenção de mandar recolocar a lápide, considerando a decisão anterior 'sem sentido nenhum' e dizendo-se humanamente chocado com o que afirma só ter sabido através do contacto do dn.