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jugular

se a terra treme, tuíta


Foi há mais de 15 dias, sim, e no ano passado. Passava da 1.30 da manhã. Um ruído cavo e depois aquele abanão brutal: a casa a dançar e eu parva paralisada a pensar “que é isto” até concluir: “um tremor de terra”. Nada a fazer, nenhuma saída, nenhuma resposta. Dura, dura, e depois pára. Aconteceu mesmo? À janela, as ruas desertas, nenhum sinal. Mais alguém sentiu? Mais alguém está aí? Sonhei?

 

Na TV, passa um programa qualquer pré-gravado no canal de notícias. O computador está ligado. Abro a janela do twitter. Das 90 pessoas que sigo – a minha “timeline”, onde surgem as frases dos que escolhi como interlocutores nesta rede, muitos gente que nunca vi e alguns cujo nome “verdadeiro” nem sei – ninguém a falar do assunto. Faço um tweet (piu): “estou a sonhar ou houve um abalo de terra em Lisboa?”. São 1.39h da manhã. De imediato, começam a cair respostas na coluna dos que não sigo mas me seguem a mim (quase duas mil pessoas). Em segundos, tenho respostas do Algarve, do Porto, de todo o país: “Eu também senti”; “Não foi sonho e não foi pequeno”; “Que susto”; “Será que vêm mais?”; “Alguém sabe o que devemos fazer?”; “Metam-se debaixo de uma mesa ou de uma ombreira se voltar”.

 

Há descrições, perguntas, informações, piadas. Um diz: “Se morrermos na réplica foi bom conhecer-vos” (a maioria das pessoas não se conhece). Uns asseveram que não vai haver réplicas, outros agoiram: “Em Itália houve várias nos dias seguintes”. Goza-se: “Com esta gente toda acordada a esta hora, como é que este país pode andar para a frente?”; “Este era o abanão de que o pais precisava”. Toda a gente está à procura de orientações. Ligamos a rádio, mudamos os canais da TV, vamos ao site da Protecção Civil, nada. Chovem críticas aos media e elogios ao Tuíta (alcunha tuga para a rede). “Antes a terra tremia e as pessoas corriam para a rua; agora correm para o twitter”. No Facebook, outra rede um pouco menos “rápida”, a coisa passa-se igual. Toda a gente parece estar on line a debitar piadas e a passar informação. A fazer humor do medo: cria-se no Facebook um grupo novo, “Eu sobrevivi ao sismo de 2009”. Alguém comenta: “Ainda é cedo para dizer que se sobreviveu ao sismo de 2009”.

 

Passa quase meia hora – pareceu muito mais – até que se saiba a dimensão do abalo, o epicentro, a hora exacta. 6 na escala de Richter, a 160 quilómetros do Cabo de São Vicente, às 1.37h. Entretanto, já houve telefonemas, gente aflita a querer saber se está tudo bem com quem ama, apareceram amigos de carne e osso a tuitar “o cagaço”. Todos dizem o mesmo: como raio é possível, na era dos canais de notícias e da informação em rede, que não haja comunicações das autoridades responsáveis, da Protecção Civil, dos bombeiros, da polícia a sossegar as pessoas? Como é possível que as páginas na net destas instituições não reajam na hora? Como é possível que o site do Instituto de Meterologia tenha “instruções” para um sismo que levam longos minutos a ler e pressupõem um planeamento prévio que obviamente ninguém não paranóico faz, como ter uma mochila preparada com comida enlatada, sacos-cama, lanternas e disparates quejandos?

 

Às duas da manhã, as TVs e rádios dão a informação básica que os tuiteiros já haviam partilhado e passam para enlatados de notícias do dia. O primeiro site de jornal a reagir é o do Público, com ligação ao twitter e à palavra chave (hashtag) “sismo”, mas mais nenhuma informação que a já conhecida. Comunicado das autoridades, nem vê-lo. No twitter, conclui-se que sismos fora de hora de expediente estão entregues a eles próprios – e a quem os sofre. E que é mandatório que a Protecção Civil tenha uma conta no twitter para estas ocasiões. Às 3.30h, a maioria das pessoas já se despediu. Durante quase duas horas, perfeitos desconhecidos e gente que só se conhece de conversas de net esteve a fazer isto que parece pouco mas é imenso: falar. Espantar o medo. “Isto também serve de algum consolo”, diz um tuiteiro, à guisa de moral da história. É isso que somos uns para os outros, não é? E o Tuíta, deus o abençoe, provou-o bem provado.  (publicado na coluna 'sermões impossíveis' da notícias magazine de 3 de janeiro)
 

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