O véu da discórdia
No passado dia 12 de Novembro, Nicolas Sarkozy, num discurso na cidade de La-Chapelle-en-Vercors (versão integral em formato pdf), defendeu a abolição do uso da burca em todo o território francês. O discurso foi dirigido para algo que, aparentemente, preocupa sobremaneira o presidente francês e o seu ministro da Imigração e da Identidade Nacional: a questão da Identidade Francesa.
Nesse discurso, Sarkozy afirmou que não falar da identidade nacional «será deixar o campo livre para todos os extremismos. É por isso que eu quero esse debate. É por isso que eu quero que nós discutamos juntos, que nos reflictamos juntos. A identidade nacional, ela diz respeito a todos, ela diz respeito a todos os franceses». Para o presidente francês é muito clara esta identidade, «Ser francês, é aderir a uma forma de civilização, de valores, de costumes», e, embora diga que em França «as crenças de cada um são respeitadas», considera que «a França é um país onde não há lugar para a burca, onde não há lugar para a sujeição [l’asservissement] da mulher».
Não é a primeira vez que Sarkozy se opõe publicamente ao uso da burca ou do niqab. Num discurso no parlamento em 22 de Junho do ano passado, afirmou «a burca não é um símbolo religioso, é um símbolo de subjugação, da submissão da mulher. Eu quero dizer solenemente que ela não é bem-vinda no nosso território». Assim, na sequência desse discurso, foi criada uma comissão responsável pela recolha de informação e propostas em relação a uma possível lei que levaria à abolição do uso da burca em França.
Essa comissão, liderada pelo deputado comunista André Gerin, apresenta amanhã as suas conclusões e recomendações sobre o uso da burqa em França à Assembleia Nacional que tomará uma decisão sobre o tema ainda esta semana. Tudo indica que não haverá uma proibição total, para já, do niqab ou da burka mas, como adiantou Gerin «Uma coisa é certa: nos espaços públicos, a proibição do véu integral será absoluta».
Não me parece que esta lei pretenda assegurar a laicidade do Estado muito menos que seja uma defesa da igualdade de género. Um Estado laico deve ser neutro em matéria de religião, não favorecendo nem discriminando nenhuma religião no espaço que é de todos nem legislando sobre que partes de cada religião são admissíveis ou não. Num país ocidental em que as desigualdades homem mulher são gritantes, penso que proibir umas centenas de muçulmanas de usar o niqab ou a burka não vai contribuir nada para o derrube do plafond de verre. Ou seja, neste processo que me recorda a proibição dos minaretes na Suiça, vejo apenas islamofobia mal disfarçada e pânico face a uma imaginada ameaça do Islão.