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jugular

sem desculpa

Um cidadão solicita uma providência cautelar em relação a uma publicação que considera pôr em causa garantias que a lei lhe confere. A providência cautelar é aceite por um juiz. Sem que se saiba quais são as bases da providência cautelar, os jornalistas interpelam dirigentes políticos e o governo, questionando-os sobre "efeitos políticos". Um deputado do PCP, António Filipe, afirma que vê o caso como "um precedente".

 

A providência cautelar, instrumento jurídico que consiste numa ordem de tribunal que suspende uma determinada acção, não se aplica apenas nos media, embora seja comum nesse universo. Recentemente, Ricardo Araújo Pereira pediu uma providência cautelar para impedir a divulgação de fotografias da sua casa e Manuela Moura Guedes conseguiu outra contra um grupo de comunicação para obstar a notícias sobre a sua vida privada. Falar da providência cautelar em relação ao Sol como "um precedente" é algo de incompreensível a não ser num clima de completa histeria política, em que todas as acções e omissões que se possam relacionar, com motivo ou sem, com a apreciação da actuação do governo e do primeiro-ministro são qualificadas com base em processos de intenções preexistentes. É como se nada pudesse ser avaliado pelo seu valor facial e intrínseco e tudo fizesse sempre parte de uma teoria geral da suspeita, de um a favor e contra do qual ninguém e nada escapa, a começar pela ideia basilar do Estado de direito, a da independência dos tribunais face ao poder político - e vice-versa.

 

Esta divisão da sociedade portuguesa em dois campos irredutíveis resulta na monstruosidade de transformar todos, a começar por aqueles que têm o especial dever de não o ser, em estrategas políticos. Um director de jornal não pode ligar a um colunista por ter dúvidas em relação a uma crónica sem avaliar as possíveis "leituras políticas" do seu gesto de básica gestão editorial; o mesmo se passa com um juiz que decide um caso que de algum modo se relacione com o universo da política ou um procurador que o investigue. Quando esta contaminação tresloucada permite ouvir da deputada do BE Helena Pinto que a providência cautelar citada "não abona na credibilidade nem do Governo nem da própria democracia" chegámos à definição do pensamento totalitário.

 

O pensamento totalitário é aquele que define o mundo em função de certo e errado e aglutina tudo em função dessas categorias. É o pensamento de todas as tiranias, o que quer fazer desaparecer, sob o ferrete da desqualificação absoluta - geralmente da "imoralidade" - tudo o que o contrarie. Denunciar alegadas interferências do poder político - seja ele qual for, certo? - na esfera da liberdade de informação e de expressão, investigar um alegado plano para afastar jornalistas ou editores não gratos a um governo ou a um governante é uma coisa, de resto premente a partir do momento em que disso existam indícios sérios; decretar não só a existência desse plano e interferências antes de provados como execrar tudo e todos os que não jurem a sua verdade insofismável ou de algum modo, mesmo que no pleno exercício da lei, contrariem aquilo que se considera "necessário" para a "prova" é outra, por acaso completamente contrária aos princípios que na primeira se devem visar. Nada, nem sequer a prova cabal da tese da tentativa de interferência do primeiro-ministro na linha editorial da TVI, desculpará estes métodos e o dano que fazem à democracia, ao Estado de direito e a pessoas concretas. Nada.

 

(publicado hoje no dn)

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