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as reacções da hierarquia vaticana às acusações de encobrimento e cumplicidade de e com casos de abusos sexuais de crianças por sacerdotes já passaram por todas as idiotices e infâmias imagináveis. da justificação do silêncio, a la saraiva martins, invocando o 'exemplo das famílias' (aquelas, portanto, em que as crianças são abusadas pelos adultos e obrigadas a suportar o abuso em silêncio para não armar escândalo e não desgraçar o apelido?), à teoria da provocação sexual por parte das crianças (ou cardeal ou bispo qualquer de tenerife, não tenho paciência para procurar o link*), à vitimização desbragada (miríade de prelados, com destaque para o pregador oficial do papa, que se atreveu a comparar a perseguição dos judeus ao que considera a 'perseguição' da 'igreja') e à tentativa de fazer coincidir a reprovação e revolta face à atitude das hierarquias com uma condenação generalizada do catolicismo e dos crentes, usando a fé dos outros como escudo para responsabilizar 'os ateus'. como nada disto tem resultado, voltam à sua 'defesa' favorita: a culpa disto tudo é dos homossexuais 'infiltrados'.
para quem tem pouca memória, recordo que em novembro de 2005 o vaticano exarou um documento no qual, no seguimento da primeira grande onda de escândalos de abuso sexual perpetrados por padres nos eua, se interditava o sacerdócio aos homossexuais. o desespero determinou que se regressasse a esse primeiro 'argumento'.
pouco importa que este 'argumento' colida com outros que têm sido utilizados pelos mesmos nas últimas semanas, nomeadamente o da comparação da percentagem de padres abusadores de crianças com a dos abusadores de crianças na comunidade geral (como se essa comparação estivesse em causa) e de que a maioria dos abusos ocorrem no seio das famílias -- o que é absolutamente verdade e revela que a maioria dos abusos ocorrem sobre crianças do sexo feminino, perpetrados por homens (ou seja, demonstra cabalmente a inexistência de relação entre abuso sexual e homossexualidade).
disparar em todas as direcções, acusar tudo e todos, usar todos e tudo como bode expiatório ou escudo, sacrificar quem for preciso: não é decerto a atitude de reflexão, auto-análise, humildade, abnegação e penitência que os 'donos' do catolicismo prescrevem aos 'fiéis'. é apenas mais do mesmo -- pena que pelo meio se corra o risco de transformar isto, que é uma mera questão de responsabilização criminal e civil, num caso religioso.
*nota -- o antónio parente, comentador do jugular, fez-me um reparo: as declarações do bispo de tenerife são de 2007, como se constata aqui e aqui. já depois dos primeiros escândalos associados a abusos sexuais de menores por sacerdotes e a esse propósito, mas não no decorrer das últimas semanas.