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A magnífica reitora

texto de Marta Rebelo (http://www.linhadeconta.blogspot.com/) A partir de 1 de Julho, Drew Gilpin Faus será a Reitora da Universidade de Harvard, a melhor universidade do mundo. Será a 28.ª Reitora (President, mas em português que fique Reitora), uma reputada historiadora especializada na Guerra Civil Americana e na América do Sul. Dêem-se, pois, urras! A gerir um orçamento anual de 3 biliões de dólares, acrescido de 30 biliões de doações anuais, e doze faculdades, temos uma mulher. Mas registado o gáudio, o que dizer? Três coisas: os norte-americanos divagam a cada minuto sobre a estreitada relação feminina com o poder; a Europa concentra críticas ou elogios na Gália, e todos os dias se diz “Elas estão a chegar ao topo”; que importa isto tudo para a sujeição e condição feminina no mundo que (já não) se diz dos homens? Os norte-americanos sobrevivem bem à ideia de terem primeiras-damas poderosas (estão atrás da cortina), Secretárias de Estado a definir a política externa do país mais poderoso do mundo (Albright, Rice), mas agora têm também a speaker da Câmara dos Representantes, (Pelosi) e começam a pensar se Hillary passará de ex primeira-dama poderosa à poderosa Senhora dos States. Gostam da ideia? Claro que não! Os americanos estão melhor preparados para um presidente muçulmano, ultrapassando preconceitos muito vivos, do que para uma presidente, deixando a ancestralidade de outros preconceitos. Aliás, a Magnífica Reitora sucede a Lawrence Summers (2001 e 2006) cujo clímax de um mandato de tolerância e civismo foi a afirmação peremptória de que as diferenças genéticas tornam as mulheres menos aptas para as engenharias e a matemática e, logo, para ocupar cargos importantes nessas áreas. Até porque – e continuamos com Lawrence – têm uma responsabilidade sua de educar os filhos. O Reitor entrou em conflito com docentes afro-americanos, de esquerda e contratou menos mulheres. Não estará aqui o retrato mais fiel da geral percepção americana sobre a chegada feminina ao poder? A prova exigida é redobrada, e o preconceito vai ficando. Na Europa, Ségolène, a bela, faz parongas, sorri, comete gaffes e veste tailleurs encarnados. Os analistas começam a comparação: Tatcher vestia azul clássico, pelo joelho; tinha a face fechada, era teimosa e antipática e tomava despreocupadamente medidas impopulares; Merkel fez-se na ex-RDA, é germânica, mais redonda, tem mais pulso. Que Royal reflexão! Estão os Europeus preparados para ver uma mulher – aquela, em concreto, cedo – no Eliseu? Claro que não. Se ocupar o Palácio, questionar-se-á o método, vem a habituação e, no dia seguinte, diz-se “Elas estão a chegar ao topo”. Mas se elas estão mesmo a alcançar o poder, esse cálice de impressões digitais masculinas, que importam estes relatos e esta conversa de seis parágrafos? Em primeiro lugar, relata-se a chegada, sem análise do caminho. É a mais vergonhosa mentira afirmar que, em igualdade e dificuldade, o caminho dos géneros é igual, ainda que partam de uma igualdade relativa nas circunstâncias e oportunidades. A Magnífica Reitora queria ter estudado em Princeton, mas à época não se admitiam mulheres. Depois, a comparação nunca é realmente feita inter-genéros, mas intra-género. Já dizia Stuart Mill, insuspeito pela vida e pela época, que a regra da supremacia masculina “era um dos principais obstáculos ao desenvolvimento humano”, teoria sem exposição a outro sistema que revelasse maior maximização do bem-estar social e da felicidade. Elas chegam lá, mas é difícil! E em grande parte das fotografias, encontrar a melena feminina é exercício semelhante ao infantil “Onde esta o(a) Wally?”

opções esquizofrénicas

'por opção da mulher'. é esse e só esse o ponto da fractura. é esse e só esse o nó simbólico da dita 'questão do aborto'. não o aborto, a interrupção da gravidez, em si, mas a opção. de quem. na lei anterior -- aquela que ainda vigora -- a opção da mulher era sempre avaliada por uma instância outra, que se lhe afirmava e impunha como superior. uma instância médica, na escrita da lei, que servia até para avalizar a interrupção de uma gravidez devida a crime contra a auto-determinação sexual (quer a lei quer a regulamentação não especificavam qualquer outra forma de decidir a legitimidade dessa interrupção, estando fora de questão a existência de uma sentença transitada em julgado que certificasse o crime). nos hospitais, a decisão médica foi organizada em comissão. antes da regulamentação da lei, em 1997 (a lei de 1984 só foi regulamentada 13 anos depois), eram as comissões de ética dos hospitais que decidiam. depois, passaram a existir comissões específicas para a avaliação da interrupção da gravidez, que a regulamentação determinava existirem só para a causa fetal mas que em muitos casos 'examinavam' também a chamada 'causa materna' (as interrupções devidas ao perigo para a saúde física e psíquica da mulher e mesmo as devidas a violação). esse pavor da decisão da mulher atravessou toda a campanha. era o papão da campanha. houve mesmo quem falasse em abortar por 'capricho' ou por 'negócio ou feitiço', convocando a memória da bruxaria. e regressa agora, na discussão sobre a regulamentação, com a insistência na existência de comissões 'dissuasoras' que, garantem aqueles que por elas pugnam, teriam sido até prometidas por membros do partido socialista (entre os quais a deputada ana catarina mendes, que na sua intervenção no programa da rtp prós e contras falou -- eu estava lá e ouvi, mas pode-se sempre ver esse excerto de novo para tirar teimas -- de aconselhamento e das 'melhores práticas europeias'. nem uma coisa nem outra são, como é óbvio, sinónimo de comissão de dissuasão, mas enfim). claro que o que estava na pergunta era 'por opção da mulher'. foi isso que a maioria que votou Sim escolheu. e escolheu essa via após uma campanha em que os que defendiam o Não insistiram até a histeria no terror que era deixar essa decisão às mulheres, e apenas às mulheres. dúvida nenhuma, portanto. curioso é que durante toda a discussão poucos tenham recordado o facto de o parlamento ter aprovado, em janeiro de 2006, uma lei sobre a procriação medicamente assistida que o presidente da república promulgou em julho e que, ao enquadrar legalmente uma prática médica com mais de 20 anos no país, estabeleceu um estatuto jurídico para o embrião humano que não só não criminaliza a sua destruição como o estabelece como propriedade daqueles para quem foi criado. é a eles, os eventuais progenitores, que cabe decidir o destino dos embriões excedentários, que só poderão ser 'doados' a alguém para serem implantados e assim 'viabilizados' caso eles assim determinem. os embriões que ao fim de 3 anos não sejam implantados num útero ou 'viabilizados' podem ser usados para investigação. já existia pois, desde 2006, uma lei que determinava que o destino dos embriões humanos, no estadio inicial, dependesse da decisão dos 'pais' -- biológicos ou 'de nome', já que nem sempre o embrião resulta dos gametas daqueles para quem é criado. caso o Não tivesse ganhado o referendo e a lei ficasse na mesma, desenhar-se-ia uma contradição insanável no edifício jurídico português: a mesma realidade biológica, o embrião humano, só seria alvo da protecção da lei penal e revestida de uma aura 'sagrada' quando se formasse dentro do corpo de uma mulher, sendo considerada uma espécie peculiar de propriedade privada quando criada em laboratório, por desígnio médico. mas tendo sido o resultado do referendo o que foi, o cotejo dessa opção com a lei da pma evidencia outra contradição. é que a lei impede o uso das técnicas de procriação assistida em mulheres 'sós'. ou seja, a mulher que não esteja acompanhada de um homem, no casamento ou na união de facto, não pode aceder a um tratamento de infertilidade. este impedimento, que teve o partido socialista como principal responsável (embora escudando-se na 'viabilização' da lei, ou seja, no entendimento de que uma lei que consagrasse o acesso de mulheres 'sem homem' a pma não seria promulgada por cavaco), estabelece a mulher 'só' como uma incapaz no que respeita a este aspecto específico da sua vida reprodutiva -- o de tentar engravidar através de técnicas médicas. a decisão autónoma da mulher é então defendida pelo partido socialista para interromper uma gravidez, mas não para a iniciar. isto em nome do direito do embrião criado em laboratório a ter 'um pai'. o mais extraordinário é que esse alegado direito a ter 'um pai' prevalecerá sobre aquilo que seria o principal interesse do embrião (se os embriões tiverem interesses): o de ser viabilizado. é que, deste modo, os embriões que os 'casais/progenitores' abandonem (ou seja, declarem não querer) não poderão sequer ser doados a mulheres sós. antes ninguém que por opção da mulher, portanto. é que há sempre a hipótese do feitiço. (por qualquer motivo, este post saiu sem acentos circunflexos nem agudos -- up date, entretanto corrigida -- a ausência de capitulares é voluntária)

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