Talvez seja banal dizer que a guerra é uma coisa suja e mesmo obscena. Talvez por isso haja sempre um risco de obscenidade em comentar, opinar, postar sobre guerras. É tão fácil esquecer que um morto é igual a outro morto, que um morto é tão grave quanto 100 mortos, que uma bala disparada é sempre uma bala disparada. Devem esta constatação e cuidado calar-nos, remeter-nos para o quietismo? Não - mas devemos "falar" com cuidado acrescido. Veja-se o exemplo de Israel/Palestina. Para podermos discutir o assunto sem incorrer em obscenidade, há que dizer que tanto os ataques de origem palestina como os ataques da IDF são inaceitáveis (e é escusado trazer a palavra "terrorismo" à baila - para um lado ou outro - para evitar trivializar com as discussões políticas de circunstância aquilo que é uma coisa bem mais grave). Há também que definir, sempre, onde nos situamos face ao problema maior e ao contexto: no meu caso - e no de muitos palestinianos e israelitas - defendo a preservação do Estado de Israel e a construção de um Estado Palestiniano viável. As pessoas estão lá, respiram e sonham como nós aqui, pouco importa a interpretação histórica e os nacionalismos e reivindicações de propriedade a que dão azo.
Que posição tomar, então, quando há um ataque A, B ou C de uma parte ou outra? Normalmente o cuidado e o respeito pela humanidade levam a que se comece por medir a proporcionalidade dos actos (o contra-ataque foi mais cruel que o ataque, etc?), a natureza dos mesmos (A matou militares mas B matou civis, etc?), e pesar as desigualdades de poder. Não há a mínima dúvida de que os palestinianos vivem numa situação insustentável e desumana, sobretudo quem está prisioneiro do gueto de Gaza; mas tão-pouco restam dúvidas quanto ao racismo e ao totalitarismo do Hamas. Também não há a mínima dúvida de que a vida de muitos israelitas é passada debaixo de ameaça e ataque; mas tão.pouco restam dúvidas quanto ao racismo e à opressão neocolonial a que o Estado e as IDF sujeitam os palestinianos...
Repararam como quando se tenta começar a medir a proporcionalidade e a natureza dos actos e a pesar as desigualdades de poder se começa rapidamente a perder o pé e a ter que optar entre lados? Isso não seria um problema em certos casos ao longo da História, casos mais nítidos. Mas não é esse o caso de Israel/Palestina - e acho que é aqui que muita gente, normalmente do mesmo lado em questões políticas internacionais, diverge. Israel/Palestina é daqueles raros casos em que ambos os lados (se é que há só dois, mas isso é outra história) têm razão, mas as suas "razões" não são... razoáveis. É daqueles casos em que a intervenção internacional é necessária e urgente e o não-intervencionismo um crime. Os locais já estão cegos com a sujidade e a obscenidade da guerra. Cada novo ataque suicida, bombardeamento aéreo ou muro é feito à pala da impotência da UE, do alinhamento americano com os sectores mais sionistas da politica israelita e da hipocrisia das elites dirigentes dos países árabes. São estes que ficam cada vez mais sujos. E é a eles que devemos pressionar, a eles que devemos dirigir os nosso protestos mais fortes - em vez de cometer a obscenidade de fazer do conflito em Israel/Palestina um instrumento das ridículas desavença políticas deste canto pacífico onde vivemos.
É por isso que não "saio à rua" para apoiar quer o Estado de Israel, quer a causa Palestiniana - assim, ambos em abstrato. Mas sairia à rua no dia em que se fizesse - fizessemos - um movimento cidadão pela intervenção internacional em Israel/Palestina.
Nesta história do antibiótico para tratar uma gripe, Sócrates pode ter errado na descrição do que lhe fizeram no hospital, o médico pode ter errado ou então optado por prevenir uma co-infecção viral e bacteriana (Ana?). A realidade é complexa.
Não há qualquer propósito escondido nem demagogia barata no sentido de "limpar" a face da classe ou do SNS. Ambos, classe e Sistema, têm podres e são passíveis de crítica mas seguramente não por causa da gripe, ponto.
Aproveito e reproduzo o "apontamento" que deixei na Joana, do qual me lembrei a propósito da mega-super afluência aos Serviços de Urgência no dia 26 - é um episódio verídico que se passou com um amigo meu há um bom par de anos. Sendo ele Clínico Geral num Centro de Saúde do centro de Lisboa, era visitado muuuuuito regularmente por uma velhinha que vivia só (se a memória não me falha, levava-lhe uma bucha a meio da manhã várias vezes por semana). A determinda altura deixou de saber dela durante umas semanas e quando decidiu dar corda aos sapatos para perceber o que se passava a velhinha lá lhe aparece na consulta. "Estava preocupado consigo, D. Maria", diz-lhe ele, ao que ela lhe responde "Sabe lá, Sr. Doutor, estive tão doente, tão doente... nem conseguia vir visitá-lo" ;-)
Adenda: Os "tempos de espera" recordaram-me outra história. Esta foi-me ensinada enquanto aluna por um fantástico Assistente de Medicina III. Dizia ele "Quando estiverem numa Urgência cheia de gente e não souberem por onde começar respondam primeiro ao desgraçado caladinho, enrolado e "azul" que ao tipo "rosadinho", que berra impropérios e não pára quieto.
Vós que viveis tranquilos Nas vossas casa aquecidas, Vós que encontrais regressando à noite Comida quente e rostos amigos: Considerai se isto é um homem Quem trabalha na lama Quem não conhece paz Quem luta por meio pão Quem morre por um sim ou por um não. Considerai se isto é uma mulher, Sem cabelos e sem nome Sem mais força para recordar Vazios os olhos e frio o regaço Como uma rã no Inverno.
Em 1944, Primo Levi, um doutorado em química de 25 anos, estava preso em Auschwitz. O «mal absoluto» a que assistia diariamente transformara-o num velho de memória quase apagada que nem «o cheiro limpo da química», que fora, como recordou no livro «A tabela periódica», um «antídoto contra o fascismo» que suavizou o «odor fétido na história ou filosofia ensinada nas escolas fascistas» reacendia.
Levi, que descobriu poesia na tabela periódica, «a ponte, o elo perdido entre o mundo das palavras e o mundo das coisas», recordou outra poesia uma certa manhã, numa caminhada para ir buscar sopa com um camarada de infortúnio, Jean Samuel, o Pikolo. Levi recordou «O Canto de Ulisses» de Dante Alighieri, poema que descobriu ser a ponte entre o que restava de si e o mundo. Os versos dantescos «Não fostes feitos para viver como brutos / Mas para seguir virtude e conhecimento» foram o mote para o livro que escreveu entre Dezembro de 1945 e Janeiro de 1947. O título escolhido, «Se isto é um homem», deixa antever uma interrogação penosa sobre a natureza humana, uma procura da resposta à pergunta que Auschwitz invoca em todos nós: «O que é um homem?».
Hoje, quando as notícias que nos chegam da guerra semeada há cerca de 60 anos pela consciência atormentada do Ocidente invocam as interrogações de Levi, evocam igualmente a pergunta de Primo Levi no seu último livro, «Os afogados e os sobreviventes»: será que o mundo que permitiu o Lager (Auschwitz) desapareceu, para nunca mais voltar? «Não!» alertou Primo Levi. Gaza hoje, assim como o Darfur e demasiados outros locais, corroboram o alerta de Levi.
Em Junho do ano passado num artigo de Jorge Almeida Fernandes no Público, a propósito dos 40 anos da Guerra dos Seis Dias, lia-se uma frase de Tom Segev "Continuamos em 1967: o mesmo problema, os mesmo debates". Por causa desta frase recomendei, no outro lado, o documentário 50 Years War: Israrel and Arabs, hoje faço o mesmo aqui.
Esta é a primeira de 29 partes. Aproveitem a semana a meio gás para o visionamento.
Enquanto os jornalistas estrangeiros esperam que a petição ao Supremo Tribunal israelita lhes permita reportar de Gaza, esta zona conturbada do globo tem aberto os serviços noticiosos de todo o mundo com dois olhares sobre Gaza, reflectidos por esta reportagem da Al-jazeera ou pelos serviços noticiosos israelitas.
Não vejo nada de criticável, até ao momento, no ataque de Israel contra alvos militares do Hamas, depois de este ter unilateralmente escolhido o caminho da provocação bélica. Só espero que mantenha a sua acção dentro dos limites impostos pela proporcionalidade e pelo respeito pelos civis palestinianos.
Uma controvérsia acesa desenrola-se em terras teutónicas sobre a existência histórica de Maomé. A polémica reacendeu na Alemanha há cerca de três anos com a publicação do livro «The dark beginnings: new research on the origin and early history of Islam» (Die dunklen Anfange. Neue Forschungen zur Entstehung und frühen Geschichte des Islam). No livro, Karl-Heinz Ohlig, professor de Estudos Religiosos e História do Cristianismo na Universidade de Saarland, considera que as evidências existentes sugerem que o islamismo era nos primórdios uma seita cristã e que Maomé provavelmente nunca existiu. Como refere Ohlig:
According to the evidence of Christian literature under Arab rule from the 7th and 8th centuries, as well as from Arab coinage and inscriptions from this period, such as that on the Dome of the Rock in Jerusalem, the new rulers adhered to a Syrian-Persian form of Christianity that rejected the decisions of the Council of Nicaea*. Instead, it regarded Jesus as the messenger, the prophet, the servant of God, but not the physical son of God, who is a strictly unitary being not "adjoined" to any person. The fathers of the Church, for instance, regarded John of Damascus (d. around 750) as a heretic, because his Greek understanding of Christianity did not correspond to their views. There is no mention of a new, independent religion of the Arabs before the 9th century.
Só hoje encontrei referência a este projecto da Arte, que acabou terça-feira. Apesar disso ainda vale a pena visitar o site e explorar não só os videos disponíveis como oblog. Eis o primeiro de 22 posts.
A julgar pelo que se vai vendo, e prevendo, no Gripenet (ainda estão a tempo de se inscreverem e ajudarem o projecto) o ano vai começar bem, oh se vai. E o resultado já está à vista.