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Presunção de inocência

Quando dois procuradores que lideram um processo de investigação dizem não ter tido tempo para fazer algo que os próprios consideram essencial, não se pode suspender o juízo sobre a actuação desses procuradores invocando a presunção de inocência. Não é que os procuradores tenham menos direitos que os outros. Não. O problema é não há aqui nada para investigar, presumir ou provar: são os próprios que se declaram culpados no despacho que decidiram assinar. Se alguém os impediu de realizar uma audição essencial para o apuramento da verdade, por que razão não denunciaram o bloqueio, como já o tinham feito no caso Lopes da Mota? Por tudo isto, uma investigação sobre o que realmente se passou seria irrelevante, pela simples razão que, se se tivesse passado realmente alguma coisa que nós ainda não sabemos, seguramente já o teríamos sabido através de uma denúncia feita pelos próprios procuradores.

 

Sobre como qualificar a 'culpabilidade' dos dois procuradores, o Daniel Oliveira diz que há duas alternativas: "Ou o primeiro-ministro fez o que os agentes de justiça andaram a soprar aos jornais mas o Ministério Público foi incompetente para o levar a julgamento, e alguém tem de responder por isso. Ou o primeiro-ministro não estava envolvido em nada e alguém na justiça usou a sua função para combate político, e alguém tem de responder por isso". Não é bem assim. Das duas uma: ou os procuradores não souberam fazer o seu trabalho, e, independentemente de José Sócrates poder ser ou não levado a julgamento, são incompetentes; ou não o quiseram fazer, e não deviam ser procuradores. Numa coisa concordo com o Daniel: Se for o primeiro caso, é grave. Se for o segundo, é gravíssimo.

Madrinha, minha avó querida,

Não me morreste!, não morreste a nenhum destes que aqui estão. Vim a toque de caixa – como dirias – ver se estavas em paz. Bem sei o pouco que gostavas de mariquices, como dizias. Detestavas carpideiras e afins. Se fosses tu a mandar, teria gozado as minhas férias até ao fim. Não vim chorar-te, descansa. Vim beijar-te e ver se estava tudo à tua medida. E ainda bem que vim. Estavas com as mãos como os cangalheiros as põem, enrodilhadas num terço. Cheguei tarde – estava longe – e estavam já cimentadas uma à outra, as tuas mãos. Desprendi-tas para que me desses uma. Ajoelhei-me, que o caixão estava baixo. Chorei lágrimas que não sabia que tinha. Fiquei ali algum tempo, a relembrar o que foste, o que me foste. Não rezei. Porque não sei e porque não acredito que estejas num sítio melhor (aqui chamar-me-ias herege). Acredito apenas no que vejo, na tua face serena e sem dor, o oposto do que a morte te obrigou a mostrar nestes últimos dez anos. Estavas hoje como que a dormir, como dormias antes daquela argola maldita em que tropeçaste se ter empecilhado no teu caminho.

A tua filha, a minha mãe, perguntou-me se eu queria uma cadeira. Disse-lhe que não, à tua filha, minha mãe, que hoje se portou como tu te portarias, como uma mulher de ferro. A minha mãe. Levei-te um livro, em homenagem aos muitos que me compraste. Entreguei-te aquele de significado especial, o que marca a minha união com a mulher que nunca conheceste (já não estás cá há muito). Escrevi-te lá umas frases que nunca vais ler. Foram para mim, o egoísta. O mesmo que te enfiou o livro no caixão. E lá ficaste tu, uma mão agarrada ao terço, a outra ao livro que te dei. Ainda assim, e também por isso o fiz, sei que preferirias ser eu a arranjar-te, em vez de um qualquer desconhecido. E só eu, com a sem-cerimónia que te aprendi, o poderia fazer.

Quero dizer-te que fazes parte de mim, que sou à tua imagem. Para o bem e para o mal, e aqui entre nós que raio de feitio me pegaste, só estou aqui hoje, a escrever estas linhas, porque me criaste de forma a não fazer aquilo a que sociedade – esse ajuntamento de homens e mulheres – nos manda. Não sei se era isso que me querias ensinar, mas foi isso que aprendi.

Pouco te visitei nestes dez anos em que me foste morrendo. Fi-lo pelas razões que saberias explicar melhor que eu. Detestarias que te visse assim. Que eu te visse assim. Frágil, dependente, o oposto da mulher que sempre foste. Ainda assim, soltaste o teu sorriso algumas vezes (o teu sorriso bonito – antes do teu bisneto nascer era o mais lindo do mundo). Quando te pus o nosso Francisco de sete dias nas mãos, sorriste-lhe e sorriste-me. Quando te ergui daquele sofá malvado para apanhares sol, sorriste-me. Das vezes em que não me reconheceste, fui-me embora em teu respeito. Por respeito a ti. E quando voltava, contra a vontade que terias e já não tinhas, fazia-o para ver se te apanhava como eras. Não te queria trair, vendo-te como já não eras e como não quererias que te visse. Fi-lo algumas vezes, desculpa, mas a esperança de te ver sorrir era mais forte do que eu.

Hoje, que dizem me que me morreste, no dia em que a carne fenece, depois de te beijar a testa e de te pegar na mão e de chorar como o teu menino chorava, fui percorrer os nossos caminhos. Fui sentir os nossos espaços. Os armários da nossa casa tinham minguado. Estavam pequeninos. Lá continuava aquela lata do pão, azul de tampa branca, donde tiraste o pão para as milhões de sandes que me fizeste. Procurei as facas com que os cortavas – aos pães – e lhes barravas a manteiga. Lá estavam elas, as mesmas. Mexi nos teus pratos, nas tuas louças, subi ao quarto onde já há dez anos não dormias. Estavas em todo o lado.

Fui ao lameiro colher-te uma rosa e coloquei-ta entre os dedos da mão em que permiti o terço.

Estás em todo o lado, meu amor, estás na minha vida todos os dias. Estás aqui a escrever estas linhas, ainda que não pudesses compreender metade delas. Vou ensinar a quem de mim vier o que me foste, também para isso escrevo estas palavras. Vou lê-las na igreja e vou fazer por ouvir a tua tosse cava lá ao fundo. Na mesma igreja para onde me arrastavas. A tosse que era parte do teu ser. Nem imaginas as saudades que tenho te ouvir tossir.

Agora, meu amor – e deixa-me, por uma vez, chamar-te meu amor –, descansa em paz. Ficamos cá para te honrar, para honrar a tua memória e os teus quereres e saberes. A tua menina, minha mãe, que foi tua mãe por dez anos, está em paz. Ela e o teu filho vão cuidar do meu avô, do teu homem. O meu pai, teu genro, está sempre presente, como sempre esteve e está para o que der e vier. A tua neta, minha irmã, vai portar-se à tua altura.  Está uma mulher e tem este irmão para lhe fazer o teu pão com manteiga.

Não prometo não chorar mais, dou hoje comigo de lágrima fácil, mas prometo ensinar-te ao Francisco. Ao contrário do que dizem os sinos que dobram lá fora, não nos morreste. Não és mulher de morrer. Daqui para fora, cada uma das mãos que há-de levar o teu caixão é também a tua, porque sem ti nenhum de nós estaria aqui. Nem nenhum de nós faria como é.

Uma última coisa te digo, para além das muitas que hei-de continuar a dizer de ti. Antes de te ler estas palavras que escrevemos a meias, vou mostrá-las ao meu mundo, para que todos saibam que hoje não morreu uma mulher qualquer. De resto, não nos morreste, apenas nos saíste da vista, o mais aldrabão dos sentidos.

O processo

 

Como é evidente, ninguém de boa-fé pode acreditar que os procuradores titulares da investigação do processo Freeport não ouviram José Sócrates porque não tiveram tempo. Para o seu processo (não confundir com um processo de investigação criminal) interessava não interrogar, para , com isso, poderem inventar a figura sinistra do não-interrogado, a quem não tinham feito não sei quantas perguntas. Ontem ficámos a saber que o PGR mandou abrir um inquérito. Confesso que não percebo por que razão não se avança imediatamente para um processo disciplinar e, dependendo do resultado do mesmo, para o despedimento dos dois senhores procuradores. Por justa causa.

Às vezes gosto de dar maçada aos amigos: à atenção do Pedro (Ferreira) Múrias

Pedro Múúúúúúúúúúrias!!!! Espreita aí este ónus da prova, pá!

Com o presente recurso, pretende a Recorrente ver apreciada a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 1083º nº 2 alínea b), 799º e 762º nº 1, todos do Código Civil, efectivamente aplicadas pelo Tribunal da Relação de Lisboa, com a interpretação que resulta do Acórdão ora recorrido e que se descreve nos parágrafos seguintes, a qual, no entender da Recorrente, viola frontalmente a Constituição da República Portuguesa.

Sumaríssimamente relembrando, o Tribunal de primeira instância, como se pode ler na última página da doutíssima Sentença proferida em 5.3.2008, “No caso dos autos, e face à matéria de facto (não) provada, dúvidas não subsistem de que faleceu a demonstração desta essencial circunstância consubstanciadora do direito de a senhoria obter o despejo do locado – cujo ónus caía naturalmente sobre a Autora.

Na verdade, não ficou demonstrado que a Ré tenha de alguma forma causado a violação reiterada e grave de regras de higiene, sossego e boa vizinhança ou, ainda, proporcionado a prática de actos contrários à lei, ordem pública e bons costumes – e, muito menos, que essa actividade tornasse inexigível a manutenção do arrendamento.

Enfim, provado que está que a Ré continua a usar o locado para o fim previsto no contrato, nos seus termos normais – e que a Autora tem conhecimento deste tipo de actividade comercial desde que é proprietária do prédio...”, concluiu que a pretensão da Autora não podia proceder, não decretando o despejo, assim decidindo absolver a Ré.

Contudo, veio o Acórdão Recorrido surpreendentemente entender que, apesar de na sentença absolutória de primeira instância ter ficado provado que a Ré continuava a usar o locado para o fim previsto no contrato, nos seus termos normais e não obstante não ter ficado demonstrado que a Ré proporcionasse, promovesse ou incentivasse a prática de actos contrários aos bons costumes (prostituição), ainda assim esta “não provou que não é devido à sua tolerância que ali ocorre essa prática infractora ao contrato de arrendamento.”, o que constituiria, nos termos do artigo 799º do Código Civil, seu ónus!

perguntas que importam

As perguntas que os jornalistas colocam não são necessariamente as mesmas que interessam à justiça. A justiça investiga procedimentos considerados faltosos do ponto de vista da lei; os jornalistas podem fazer o mesmo e até pensar como investigadores judiciais - desde que tenham sempre presente que o não são - mas podem também explorar zonas de penumbra, ligações suspeitas/perigosas, fazer um levantamento de indícios e "estranhezas" e até retratos de carácter. O que não é suposto suceder, nunca, é os investigadores judiciais pensarem como jornalistas - ou seja, procurarem aquilo que julgam que poderá interessar ao (seu) público ao invés de se concentrarem em confirmar ou infirmar factos relacionados com matéria criminal.

 

Quando se lê, no despacho final do inquérito do processo Freeport, que os dois procuradores que há 17 meses têm o caso em mãos lamentam não ter podido ouvir o primeiro-ministro e uma outra pessoa (o seu secretário de Estado quando ministro do Ambiente), e que dizem não ter podido fazê-lo por lhes ter sido imposto um prazo para encerrarem a investigação e ser necessária autorização superior para ouvir o PM (já no caso do ex-secretário de Estado era só convocá-lo, mas pronto), fica-se de boca aberta. Então depois de durante ano e meio saírem repetidas notícias sobre o envolvimento do PM - quer como alvo da investigação quer como autor de "pressões", pressões essas denunciadas precisamente pelos dois procuradores que assinam o despacho - o caso chega à acusação com os investigadores a dizer que não lograram fazer-lhe as perguntas (27, nem mais nem menos) que "importavam"? Quem os impediu? Que força os bloqueou? Que pressões os travaram, suficientemente ponderosas para impossibilitar a demanda mas não para obstar à queixa?

 

O procurador-geral da República já determinou a abertura de um inquérito com o objectivo de responder a estas questões. Mas, enquanto esperamos, podemos satisfazer a curiosidade: as tão importantes perguntas estão no despacho e foram reproduzidas nos jornais. Por exemplo, os procuradores queriam saber se o PM recebeu uma carta de um dos acusados, Manuel Pedro, em que este lhe chamaria "Caro Amigo"; se consegue explicar afirmações de um primo sobre o facto de o pai desse primo se gabar da sua relevância no licenciamento do Freeport; se consegue explicar porque é que o PS mandou um e-mail de propaganda para outro dos arguidos, Charles Smith, "apesar de este ser estrangeiro". Sim, paremos de esfregar os olhos: é mesmo uma resenha das manchetes do caso Freeport. E é mesmo a entrevista ao PM que toda a gente queria ler. Dá-se o caso de ter sido alinhada por dois procuradores num processo-crime e de não haver nas perguntas qualquer relevância criminal. Mas é uma boa prova.

 

(publicado hoje no dn)

Agora sem dores, António

"'Bora lá ligar o descomplicómetro e chegar às pessoas. 'Bora lá fazer o que há a fazer, deixem-se de tretas. 'Bora lá fazer de uma ida ao Monumental uma grande festa, com direito a gelado." (António Feio, ao Público - mais tarde ponho o link)
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