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31.10.2012: Uma tragédia geracional em três actos

Aposto que infelizmente este é um dia que os nossos descendentes irão encontrar referido nas Histórias de Portugal dos séculos vindouros. Dificilmente poderia correr tão mal à Democracia portuguesa e dificilmente poderemos encontrar melhor exemplo com tudo o que está mal em Portugal no pós-crise financeira de 2008. 

 

No Parlamento, hoje, dia 31 de Outubro de 2012, em três actos, os deputados conseguiram demonstrar ao país, e enviar para as fontes da História, a razão da abstenção, do descrédito no Parlamento, no Governo, e nos políticos em geral. E, pior, condenaram um país à miséria, da pior forma possível: à traição. Pois, são os deputados aqueles em quem confiámos para nos representar.

 

Acto 1.º

 

Recusa-se a votação nominal do Orçamento de Estado para 2013, talvez o mais importante orçamento votado pelo Parlamento durante a III República, assim impedindo que os portugueses, face a um Governo partido e a um Parlamento fragmentado, pudessem escrutinar, um a um, o sentido de voto dos deputados. Ao invés o que tivemos, mais uma vez, foi um monopólio dos partidos, que assim mascaram e subvertem a democracia, ao invés de a elevarem. Os portugueses têm o direito de saber o que pensam os deputados do orçamento que vão votar. Os partidos prestavam um serviço ao país se autorizassem que cada deputado demonstrasse, perante o povo, o seu sentido de voto. Mas não. A realidade está já tão invertida que é em nome do regular funcionamento das instituições que se impede que elas funcionem bem e regularmente, chamando-lhe "expedientes": "... não podemos, em nome do valor do regular funcionamento das instituições democráticas, estar a entrar em expedientes", criticou Nuno Magalhães.

 

Não se encontra melhor símbolo da decadência da democracia representativa e do modo como se encara a prestação de contas pelos deputados perante o povo.

 

Acto 2.º

 

Aprova-se a antecipação da aprovação do orçamento em véspera de fim de semana grande e com uma manifestação marcada para as 15h em São Bento. O cidadão hesita em perceber que razão motivou tal antecipação, mas não pode deixar de pensar que foi uma das duas, senão mesmo as duas, que acabo de enunciar. Os media, bem, assim o interpretaram. Mas a Presidente da Assembleia da República escudou-se na mais formal das razões: "estamos a utilizar o mesmo método que utilizámos no ano passado". Ou seja, sensibilidade e adaptação à realidade: zero.

 

Depois da fuga à prestação de contas perante o povo, a fuga ao próprio povo.

 

Acto 3.º

 

Mas quando se pensava que o ataque à democracia não podia ir mais longe, a sessão parlamentar acaba com aprovação do mais injusto, brutal e anti-democrático orçamento de que há memória. Qual o critério? O único que pode haver em democracia: o programa de Governo. É difícil encontrar no OE para 2013 algo que esteja de acordo com o Programa de Governo ou com algo dito por qualquer membro do PSD e do CDS, quer na oposição, quer chegado ao Governo. Não há neste Orçamento de Estado nada que tenha sido submetido ao escrutínio dos portugueses. O que há é a concretização de uma ideologia invocando-se um cheque em branco que os portugueses terão assinado. Mas mais do que um cheque em branco os portugueses percebem agora que, alguns, terão mesmo assinado uma sentença de morte. Este Orçamento é tão duro que os mais idosos, os mais fracos, os mais desprotegidos, ficarão sem um Estado que lhes garanta algo tão simples como a sobrevivência condigna, o princípio capital da nossa Constituição. Claro que este Governo dirá que a culpa é de outros Governos, da crise, da Europa e de tudo o mais que possa ser esgrimido como desculpa moderadamente credível. Mas já ninguém acredita nisto. Este é um Orçamento, como quase tudo o que tem sido feito, ideológico. Ele acredita e quer, como o Governo quer, o empobrecimento das famílias, a redução média dos salários, o assistencialismo em vez da solidariedade, desde logo, fiscal. O que este Orçamento faz, se for minimamente executado, é enviar-nos de novo para a 2ª República. Com a excepção daqueles que não vão resistir a 2013.

 

Sobreviver a 2013 não vai ser, por isso, o pior. O terrível, o que deve ser inaceitável para todos, é o país pobre, desigual e opressivo que emergirá em 2014 e que vamos todos ajudar a criar se aceitarmos a execução do OE2013. Aí não teremos desculpas: os nossos representantes não nos representaram, mas nós também não fizemos nada para corrigir isso.

 

(em estéreo com o Vermelho)

Re(a)fundar

Vítor Gaspar deu o mote e definiu a “nova” linha política do governo: os portugueses querem mais Estado do que aquele que estão dispostos a pagar e, portanto, é necessário uma redefinição do Estado. Este discurso parece novo e já se ouvem as vozes de sempre bramar que sim, que este é o debate que se impõe e que só peca por tardio. Na verdade, trata-se de uma versão requentada do projeto de revisão constitucional que o PSD apresentou há dois anos e que, misteriosamente, foi apagado durante o período eleitoral. Para essa revisão o PSD pede agora que a troika lhe sirva de bengala e – pasme-se – o apoio do PS.

Depois do mito de que tudo resolveriam eliminando as gorduras e as mordomias; depois da farsa de que renegociariam as PPP e retirariam o apoio às fundações; finalmente o governo chega ao ponto onde sempre quis chegar, àquilo que o PSD sempre defendeu que estivesse incluído no memorando de entendimento. Primeiro acena-se o Estado social como principal responsável pela crise e depois programa-se o seu desmantelamento. Primeiro eleva-se a carga fiscal ao seu limite para criar a ideia da inevitabilidade, para depois procurar legitimar uma transformação que sempre teve uma oposição muito alargada.

A culpabilização do Estado social não resiste ao teste dos factos. Até à crise de 2008, a despesa social em percentagem do PIB era menor do que a média da UE. Portugal não é – infelizmente, aliás  - esse país com um Estado social de tipo nórdico de que fala o governo. É, por exemplo, um dos países da OCDE em que os pagamentos diretos das famílias em saúde são mais elevados – 26%; e um dos países em que é maior a parcela do financiamento do ensino superior suportado pelas famílias - 22%.

Com a refundação do memorando, Passos procura tornar inevitável uma revisão constitucional para a qual não tem apoio e o desmantelamento do SNS, da escola pública e da rede de mínimos sociais. Aqueles que se opõem à destruição que Passos agora promete não podem faltar ao debate, começando por desmontar os mitos que o alimentam. 

 

O meu texto de hoje, no Diário Económico.

A ditadura portuguesa e a sua polícia política

Versão mais alargada do meu texto relativo à Ditadura portuguesa e à sua polícia política, publicado no jornal «Público», de 29 de Outubro de 2012. Por razões de espaço, a versão do jornal teve de ser abreviada.

 

Escrever História ou «fazer História» é uma prática baseada num conjunto de regras que, a partir da colheita e análise de fontes, propõe encadeamentos e interpretações para transmitir um conhecimento que se pretende o mais próximo possível da verdade – sempre provisória e relativa -, ou, melhor, da veracidade de uma determinada realidade passada. O historiador, porém, produz um local e um tempo diferentes do local e do tempo onde ele próprio está, e depende dos testemunhos, sabendo que, ao tentar conhecer, analisar e organizar o passado através de um discurso narrativo, o faz em função do presente e perspectivado por este. O historiador pode ser de direita ou de esquerda, mas deve porém, tender para o máximo de imparcialidade. A escrita da História não é neutra e é sempre modelada por escolhas e figuras de retórica e interpretativas, certamente moldadas pela ideologia e a mundivisão do investigador, mas não deve estar ao seu serviço.

 

O «fascismo» não existiu em Portugal?

Nos anos 80 do século XX, Eduardo Lourenço colocou a pergunta retórica: «o fascismo nunca existiu?» Hoje, segundo penso, não interessa tanto, no estado actual da investigação histórica em Portugal, afirmar que o regime político existente em Portugal entre 1932/33 e 1974 era «fascista», «totalizante» ou «autoritário». Afirmar que se tratava de uma ditadura com características conservadoras, reaccionárias e uma matriz católica não provocará grandes divergências. Ou seja, não interessa tanto saber se o «fascismo» existiu em Portugal, como interessa afirmar que vigorou uma Ditadura em Portugal durante muitos anos, tendo até sido a que maior longevidade teve na Europa do século XX.

O que interessa é caracterizar com o máximo de profissionalismo, capacidade interpretativa e veracidade como funcionava esse regime ditatorial, através das suas diversas instituições, dos diferentes factores e aspectos sociais, económicos e políticos devidamente contextualizados. Interessa também verificar de que forma isso tudo foi vivido no dia-a-dia dos portugueses, sabendo-se que estes não eram uma entidade colectiva mas uma colectividade de indivíduos com interesses e vivências diferentes. A cronologia e a contextualização obrigam a matizar essas mesmas experiências, que foram vividas de forma diferente nos anos 30 do que o foram nos anos setenta do século XX.

 

Isto é de uma violência incrível

Uma miúda de 14 anos fica grávida como consequência de uma violação. O que se pode ler no comunicado do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem é inacreditável:

 

(...) P. n'avait que 14 ans au moment des faits et, selon le certificat médical émis après le viol, elle présentait des ecchymoses sur tout le corps, ce qui indiquait que la force physique avait été utilisée pour surmonter sa résistance. La Cour conclut qu'elle se trouvait dans une situation de grande vulnérabilité lorsqu'elle a été admise à l'hôpital. Toutefois, des pressions ont été exercées sur elle par la médecin-chef, qui a essayé de lui imposer ses propres vues, et P. s’est vue obligée de parler à un prêtre sans qu'on lui ait demandé si elle souhaitait vraiment en voir un. Les deux requérantes ont subi des pressions considérables. En particulier, S. a été invitée à signer un formulaire de consentement l'avertissant que l'avortement pouvait entraîner la mort de sa fille, et ce en l’absence d’arguments décisifs démontrant qu'un avortement en l’occurrence comportait un tel risque.De plus, lorsque P. a subi des actes de harcèlement, la police, au lieu de la protéger, l’a placée dans un foyer pour adolescents en exécution du jugement d'un tribunal de la famille. Par ailleurs, la Cour est particulièrement frappée par le fait que les autorités ont engagé des poursuites pénales pour rapports sexuels illicites contre l'adolescente, qui, eu égard au certificat du procureur et aux constatations médicolégales, aurait dû être considérée comme une victime d'abus sexuels. Cette approche est incompatible avec les obligations de l'Etat d’instaurer et de mettre en oeuvre de manière effective un système de droit pénal sanctionnant toute forme d'abus sexuels.  (o comunicado integral aqui e em inglês aqui)

 

Hoje soube-se o resultado do processo tendo a Polónia sido condenada, e muito bem, " a pagar uma indenização de 45 mil euros a uma adolescente e à sua mãe, devido às dificuldades enfrentadas pela menor para fazer um aborto legal".
.


E não se passa disto...

Resumo do artigo de Wolfgang Munchau no Financial Times de hoje, nas palavras do próprio (destaques meus):

"If you make unrealistically optimistic assumptions about the size of the fiscal multiplier, the global economy and the impact of structural reform on growth, you can make any debt disappear on paper. This can go on until these assumptions are falsified. But it cannot go on for ever.

"The latest dreadful confidence surveys are in line with my expectation that austerity will have a very significant negative effect on growth in 2013. The recession in southern Europe, including Greece, will probably continue at least until 2014, at which time debt to GDP ratios are likely to be similar to today’s. If you keep piling austerity programme on austerity programme for a sufficiently large number of years, then the policy might eventually work. But that’s a politically unrealistic proposition. Portugal, for example, is already cutting subsistence payments for very poor people to meet the agreed deficit targets."

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