Tenho boas e más notícias
As más notícias são que já existe um projecto de revisão constitucional. As boas são que é do Partido Social Democrata.
Na dúvida não se deve rever a Constituição. A Constituição, sobretudo num Estado Social como o nosso, estrutura a comunidade política através da continuidade dos seus valores e da sedimentação dos seus princípios e normas. O labor deve ser jurisdicional, doutrinário, político; não o frenesim da mudança só porque é possível.
Dito isto, confesso que temi o pior, após o que fui ouvindo na comunicação social. Mas o projecto de revisão constitucional do PSD não é tão mau quanto se poderia pensar. Aliás, devo mesmo dizer que é um bom contributo para o debate político português. Infelizmente, não tanto para o debate constitucional.
O projecto do PSD é muito mais um programa político e um objecto negocial do que um verdadeiro projecto de revisão constitucional. Condenado à partida, devido à exigida maioria de 2/3, a não ser aprovado tal como é apresentado, o projecto cumpre-se através de outros dois desígnios:
1. Independentemente do que façam os outros partidos da oposição, o PSD conseguiu encontrar uma forma de apresentar um programa político sombra. Com a desculpa de uma revisão constitucional, roupagem sagrada, conforma a sua ideia de Estado Social, não esquecendo o emprego, a saúde, a educação (embora esquecendo a Justiça, curiosamente). Todas estas áreas são alteradas em elementos basilares.
2. Se o outros partidos vierem a jogo (e teria piada que não viessem, justificando-se com a desnecessidade de uma revisão constitucional) o projecto do PSD assume-se, além do mais, como um objecto negocial. Contém tão incríveis propostas que para se almejar algum tipo de acordo, no que for realmente para mudar, há muita coisa que terá que cair. É esta, aliás, a única maneira de ler, com alguma sensatez e realismo, algumas das propostas do PSD.
O que nos faz regressar ao programa político: é verdade que o PSD é oposição, é verdade que lidou mal, politicamente, com esta opção de revisão constitucional mas se a Constituição é um documento arcano e misterioso para muitos, um programa político não é. E o PSD ao apresentar as suas propostas, desentranhadas que sejam de qualquer vã ideia de revisão constitucional, veio ajudar a esquerda e sobretudo o PS: é agora mais fácil apontar o dedo ao PSD, sem margem para desculpas e escapatórias. Eis o país e o Estado que o maior partido da oposição pretende, ao ponto de o pretender consagrar a nível constitucional. Mas sobretudo é agora mais fácil perceber as escolhas que temos. Nesse aspecto as ideias do PSD são algumas vezes simpáticas, outras assustadoras, por vezes anódinas. Mas sempre esclarecedoras. Havemos de voltar a elas.
A revisão constitucional, essa, ainda está por começar.