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jugular

o caso ensitel/jonas, a liberdade e a estupidez (que também é livre)

já muito se escreveu e vociferou sobre o conflito entre a ensitel e a maria joão nogueira, mais conhecida por jonas. a alda telles, por exemplo, falou do assunto na perspectiva das relações públicas e da assessoria de comunicação, a área em que trabalha; o paulo querido quis reflectir sobre os motivos que subjazem à 'onda' de solidariedade internética de que a jonas está a ser alvo. há quem aponte o caso como evidência de que a 'liberdade na net' está em risco e quem tenha acordado de repente para o facto de que o que se escreve na net está, como qualquer outro acto ou afirmação públicos, sujeito ao cotejamento com as leis da república.

 

houve mesmo quem pretendesse encontrar entre os 'defensores' da jonas contradições em relação a posições anteriormente tomadas noutros casos em que estariam também em causa processos judiciais tendentes a limitar a liberdade de expressão.

 

essa suposta contradição, não explicitada mas insinuada através daquilo que o paulo chama 'frases desgarradas' é relevada a partir de uma perspectiva que decreta que não só a liberdade de expressão só pode ser um valor absoluto como que toda a liberdade de expressão, ou toda a expressão a coberto dessa liberdade, vale o mesmo. assim, se eu num caso defendo que a liberdade de expressão é o valor mais forte, terei de o fazer em todos; se num caso defendo a razoabilidade (ou até a justeza) de um processo judicial tendente a comprimir a liberdade de expressão, terei de o fazer em todos.

 

é óbvio que quem assim raciocina (?) esquece que a existência dos crimes tipificados como difamação e injúrias nega o absolutismo da liberdade de expressão -- isto se o mero bom senso não chega para perceber que a liberdade de expressão não pode ser licença para toda e qualquer afirmação ou imputação. traduzindo: é caso a caso que a lei (os tribunais) decidem qual é o valor que deve preponderar, e é caso a caso que a generalidade das pessoas tomará um ou outro partido.

 

tomar partido por uma das partes, coisa que fiz no caso da jonas, tomando-o por ela por considerar que aquilo que escreveu não configura difamação pelo simples facto de ser um relato verídico e consubstanciado de um sucedido e não atentar dolosamente contra qualquer direito da empresa em causa, como faço (naturalmente por mim, eheh) no caso em que sou arguida num processo colocado por uma entidade que se manifestou ofendida por um post publicado neste blogue (do qual não falei até hoje não só por a decisão de arquivamento não ter transitado em julgado mas também porque estou saturada de mártires da liberdade de expressão), não significa nem pode significar que considero que a ensitel (ou a entidade que me processou) não tem o direito de se considerar ofendida e de colocar o processo. não: significa que acho que não tem razão. e continuarei a achar que não tem razão mesmo se -- o que acho impossível, mas nunca se sabe -- um juiz decidir a favor da ensitel nessa matéria.

 

isto apesar de saber que há uma desproporção de poder entre a empresa, que com um departamento jurídico ao dispor, pode dar-se ao luxo de litigar por litigar, e a jonas, que vai ter de pagar a defesa do seu bolso -- e estou em boas condições de assegurar que não é barato -- e portanto, mesmo ganhando a causa, sairá sempre a perder. mas a diferença de peso entre os litigantes não é um argumento para nada nem me leva, à partida, a decidir por um ou por outro. e se, como já sugeri no twitter, os que acham que a jonas tem razão estão genuinamente preocupados com o efeito muito real do processo na vida dela, que se juntem para ajudar a financiar o seu apoio jurídico (já foi até, por um tuiteiro, sugerida a criação de uma conta na paypal). isso sim, é tornar a indignação frutífera e dar expressão material e eficaz às nossas posições comunitárias.

 

para resumir: a existência da garantia constitucional da liberdade de expressão não pressupõe que se possa dizer tudo sem consequências, e mesmo quando fazemos uso dessa liberdade com responsabilidade (ou seja, não imputando acções ou acusando sem provas, por exemplo) podemos sempre ver-nos forçados a provar a justeza da nossa posição em tribunal. chama-se viver em sociedade, e é bom que toda a gente esteja disso consciente. é tão legítima a minha liberdade de expressão como a liberdade da entidade de me processar pelo que livremente exprimi. não tenho qualquer dúvida disso, nem mesmo quando pago, a resmungar, a conta do advogado ou quando passo uma manhã no tribunal. é o risco que assumo pela minha liberdade, o de lutar por ela. e, sorte a minha, porque vivo num país democrático e num estado de direito, só corro o risco de ir à falência.

3 comentários

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    f. 02.01.2011

    alguém advogou confiança cega no sistema judicial, foi? hum.  a questão não é obviamente a da confiança cega seja no q for. é reconhecer q existe um sistema criado para dirimir os conflitos. é o q existe. ou deviamos voltar às bengaladas?
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    shark 02.01.2011

    Se não foi, pareceu. E por muito que eu não seja um adepto das bengaladas, existem situações que não podem ser confiadas a um sistema que não consegue esconder as suas múltiplas imperfeições.
    Sei que estamos a falar da galinha e do ovo, mas o facto de o Estado de Direito ser um dos pilares da liberdade não lhe confere absoluta legitimidade para a (de)limitar.
    O assunto em apreço parece-me enquadrar-se nessa perspectiva, só isso.
    Não estamos, de todo, em desacordo na questão de princípio. Mas não li no texto qualquer margem de manobra para as inevitáveis excepções.
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