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O ruralismo é uma ideologia retrógrada

O número de comentários ao meu post "Fanáticos da ruralidade" (79 até ao momento, não contando alarvidades que censurei) sugere que toquei num nervo sensível. Algumas curtas observações, porque o país aguarda ansioso que o guiemos na resolução de outros graves problemas:

1. Escolhi para ilustrar o meu post uma deslumbrante imagem de linha férrea arcaica. Isso significa que sou sensível a estes trechos de beleza nostálgica que com frequência o progresso condena ao abandono.

2. Sou um apaixonado por cidades - de preferência, grandes - mas nem desprezo os campos nem contesto o gosto de quem se dá mal com meios urbanos. Mas uma coisa são as preferências individuais, outra as escolhas colectivas.

3. Muitos comentadores acreditam que o interior manda os seus impostos para a capital, mas a realidade é a inversa: é a capital que manda uma parte das receitas dos seus impostos para o interior - e, aliás, é assim que está certo.

4. O actual desordenamento do nosso território não protege o ambiente. Bem pelo contrário, a dispersão de núcleos urbanos minúsculos degrada e destrói a paisagem. Os países que melhor organizam as suas cidades são também, por regra, aqueles que melhor cuidam da parte da natureza que lhes caíu em sorte.

5. As próprias áreas metropolitanas de Lisboa e Porto mais parecem hoje federações desarticuladas de aldeias. A ideologia ruralista infectou inclusive as práticas urbanísticas. Note-se, por exemplo, que a área metropolitana de Lisboa ocupa uma superfície equivalente à de Los Angeles, mas tem uma população várias vezes inferior.

6. O desarranjo do território é a principal causa da fragilidade do transporte público, o qual só pode ser a um tempo útil e economicamente eficiente se as populações estiverem geograficamente concentradas. Não estando satisfeita essa condição, o transporte privado triunfa.

7. Eu sei que quem reside no interior não acredita nisto, mas o acesso aos serviços públicos é hoje frequentemente pior nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto que no resto do país.

8. Sei também que toda a gente parece acreditar que a agricultura portuguesa foi abandonada e que importamos quase tudo o que comemos, mas esse é outro engano que noutra ocasião abordarei.

9. Algumas pessoas que viajaram por paragens distantes como a Suécia e a Suíça acreditam ser a distribuição espacial da população nesses países mais dispersa do que cá. Estão iludidos: nenhum país da Europa tem uma tão pequena proporção dos seus habitantes a residir em grandes aglomerados como nós.

10. É verdade que as empresas de transportes públicos de Lisboa como a Carris e o Metro não deveriam ser financiadas directamente pelo orçamento geral do Estado, mas pelos municípios servidos, a exemplo do que sucede no resto do país. Mas quem paga isso não é o interior.

11. Um comentador faz-me ver que a Lousã é hoje um subúrbio de 15 mil habitantes, onde residem pessoas que todos os dias vão trabalhar para Coimbra. Ora o meu ponto é precisamente denunciar esse absurdo: não faz sentido algum que uma cidade pequena como Coimbra tenha um subúrbio a 30 kms de distância.

12. Outro comentador afirma que uma estação de metro em Lisboa custa mais que a linha da Lousã. Duvido, mas asseguro-lhe que uma estação de metro em Lisboa tem uma utilidade muito superior à de uma linha de Coimbra à Lousã.

13. Apesar de todos os meus argumentos, ee as populações de Coimbra e da Lousã valorizam muito a ligação ferroviária, cabe aos seus municípios assegurar o investimento nessa infraestrutura e a sua respectiva manutenção. É de certeza uma aposta mais justificada que a de Leiria na construção de um estádio de futebol.

14. A chamada "desertificação" do interior deve ser encarada como um progresso no sentido de uma ocupação mais racional do território. Corresponde à florestação de terras sem aptidão agrícola e à concentração da agricultura nas regiões com maior potencial. Toda a gente (vá lá: quase toda a gente) ganhou com esse processo.

15. O ruralismo é uma ideologia retrógrada que mitifica a realidade rural. A sua persistência não beneficia as pessoas nem preserva a natureza.

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