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Bin Laden: preocupação e esperança

Ao contrário do que fazem os nova-iorquinos a esta hora (e, por cá, entre outros, Henrique Raposo no Expresso), não partilho do sentimento de satisfação, alívio e celebração causado pela morte de Osama bin Laden. Pelo contrário, considero que as ondas de euforia que vão sendo captadas e amplificadas pelos media de todo o mundo resultam de vários equívocos, de efeitos preocupantes e, talvez, perigosos. Contudo, a esperança no fim do terrorismo nunca esteve tão viva como agora, mas por outros motivos.

 

1. Uma posição de princípio: a morte de um ser humano não deveria ser celebrada, mesmo a de alguém muito provavelmente responsável pela morte de milhares de pessoas. Escuso-me a comparações com tantos e tantos homens, de tantas nacionalidades e com tão diferentes motivações, celebrados como heróis e com um passivo em mortes e destruição incomparavelmente superior. Fico-me pelo facto de não ter sido feita justiça. Para os americanos, o dead or alive é algo que faz sentido, como o é a pena capital, o olho por olho, dente por dente ou Guantánamo. Para os europeus, com séculos de guerra e de atrocidades, com duas guerras mundiais recentes e um Holocausto, não. Justiça seria a captura e julgamento no Tribunal Penal Internacional, uma vez que os seus crimes não conheceram fronteiras e não foram apenas contra cidadãos americanos. Mas uma América que não reconhece este Tribunal para os seus, também nunca o faria para os inimigos. Porque, no final de contas, o que conta, o que sempre contou, foram os acontecimentos do 11 de Setembro, os ataques em solo americano, as vítimas de Nova Iorque, uma guerra americana. Uma vingança. America uber alles.

2. A morte de bin Laden nestas circunstâncias enterra, provavelmente, o esclarecimento de muitas questões nebulosas, eventualmente incómodas para os E.U.A., que envolveram o personagem em causa e as origens da al-Qaeda, as ligações sauditas, a guerra no Afeganistão nos anos 80 e o envolvimento americano. Por outro lado, cria um mártir para os seus apoiantes e simpatizantes, uma morte gloriosa, em combate. Há homens que devem ser mais temidos mortos do que vivos.

3. A sensação de alívio que aflora certamente no espírito de muitos milhões de pessoas é preocupante e perigosa. O terrorismo islâmico não foi, ao contrário do que muitos poderão pensar, decapitado. A al-Qaeda não é uma estrutura piramidal com uma cúpula ou com uma estrutura de comando centralizada. Pelo contrário, funciona por células autónomas ou mesmo independentes, deixada incólume e que permanecem activas, sem contar com estruturas que nem sequer lhe estão orgânica e operacionalmente ligadas. Nós é que gostamos de ver tudo arrumado numa "organização terrorista". Aliás, há dúvidas de que  bin Laden tivesse, nos últimos anos, desempenhado o papel central que a propaganda americana e a informação veiculada pelos media deixam transparecer. Era, antes de mais, um símbolo e uma inspiração. Agora passará a ser um ícone. E um ícone não se mata.

4. Pelo contrário, a natural distensão que esta morte irá causar levará inevitavelmente a um "baixar da guarda" e, talvez, a uma falsa sensação de segurança. Estou convencido de que as figuras de "segunda linha" da al-Qaeda são incomparavelmente mais perigosas e que esta morte cause um efeito de fragmentação de efeitos imprevisíveis.

5. As causas do sucesso do terrorismo islâmico permanecem intactas. O problema da Palestina continua por resolver e sem solução à vista, o Iraque permanece um país ocupado, o conflito no Afeganistão não tem solução anunciada, o mundo árabe continua imerso no turbilhão de pobreza, injustiça social e governos corruptos e autocráticos. O facto de a operação militar que conduziu à morte de bin Laden ter ocorrido numa localidade a dezenas de quilómetros da capital do Paquistão é um sério sinal de alarme que não deve ser negligenciado nem menorizado, quando todos nós imaginávamos bin Laden escondido numa remota montanha do Afeganistão, escondido e doente. Pelos vistos, moveu-se sem grande dificuldade durante uma década num país alegadamente aliado dos EUA.

6. Os sinais de esperança estão, contudo, vivos, de uma forma que parecia impensável há apenas alguns anos, nos dias mais negros da "guerra ao terror" da Administração Bush. E estes sinais não se compadecem com fogachos revanchistas que enchem o ego do orgulho americano e que fornecem, certamente, algum consolo aos familiares e vítimas dos ataques da al-Qaeda. Pelo contrário, resultam do facto de a maré poder estar a mudar. Em primeiro lugar, o capital de simpatia que a al-Qaeda acumulou durante anos na opinião pública dos populações árabes e/ou islâmicas e que resultava de uma certa idealização romântica de um pequeno grupo que fazia frente ao gigante americano e que, de alguma forma, diminuia o sentimento de humilhação, está em queda, sobretudo quando os atentados passaram de Nova Iorque, Madrid ou Londres para outras paragens, como a Indonésia, o Líbano ou o Bangladesh.

7. Mas o mais importante (e certamente inesperado e desconcertante) é o movimento de agitação social que desde há meses varre o mundo árabe, porque se trata de ondas de choque espontâneas, criadas internamente por insatisfação social e reivindicação cívica. Não há motivação ideológica, muito menos religiosa, a animar os jovens do Cairo, de Tunes, de Benghazi ou de Daraa. O facto de a contestação aos poderes políticos não ter uma raiz ideológica é a prova de que a batalha para a criação de estados teocráticos, hostis ao Ocidente, está provavelmente perdida para os fanáticos religiosos islâmicos. Adivinho, aliás, o desconsolo que deve ter sido para bin Laden assistir às imagens de jovens líbios com bandeiras americanas e a pedir a intervenção militar da NATO contra a crueldade do tirano de Tripoli. É este o grande capital de esperança para um horizonte menos sombrio e para um mundo livre do medo de atentados indiscriminados e brutais que encheram as páginas dos jornais durante anos. E cabe às potências mundiais e à opinião pública internacional não a deixar esmorecer, sob a premissa de que o combate ao terrorismo não se faz com raids de efeito simbólico mas com a corrosão dos alicerces que permitiram a sua germinação e o seu desenvolvimento.

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