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Lisbon Bob

Estou certo de que a palestra proferida ontem por António Borges, na Universidade de Verão do PSD, ficará nos anais da política nacional e constituirá, de futuro, um case study a ser escalpelizado por estudantes e aprendizes de sociólogos, casuísticos, penalistas, psiquiatras e historiadores. Raras vezes tive oportunidade de assistir a tal demonstração de lucidez, espírito prático e conhecimento da realidade. Não se trata de um qualquer político a anunciar aos seus militantes, em pleno Aquashow estival, a retoma da economia nacional já no próximo ano. É, pelo contrário, um cidadão com provas dadas na salvaguarda dos interesses nacionais e que já provou à saciedade o seu grau de contacto e preocupação com os problemas reais do país, tanto os económicos como os sociais

Tenho, porém, umas quantas reticências. A primeira resulta do meu desnorte com algumas premissas apontadas e a forma como não se ajustam às minhas (estreitas) vistas: sempre pensei que os economistas "liberais" odiassem subidas de impostos, que oprimem os cidadãos, sufocam as empresas e estrangulam o crescimento económico; fiquei, portanto, desconcertado com o tom otimista, emitido a partir da situação atual e selado com a declaração de que Portugal não precisa de mais dinheiro nem de mais tempo. A segunda aponta para o seu forte sentido de anacronismo amnésico: comparar o resgate atual com o de 1983-84, quando não havia crise global, nem euro à beira do abismo, nem sequer euro, é uma boa malha para lançar aos laranjinhas que ainda não tinham nascido nessa altura, mas de resto, é de duvidosa pertinência.

Por fim, há uma dimensão que lhe escapou totalmente (aliás, não apenas a ele... melhor dizendo, nunca vi ninguém do governo mencioná-la). Não se trata de um reparo de natureza financeira; quem sou eu para me atrever a proferir tal coisa acerca de quem já mostrou o que vale, tanto em instituições privadas como internacionais. É apenas um lembrete: penso que nunca ninguém pesou, mediu ou considerou os efeitos da crise atual na psicologia coletiva. Um país de gente reverente, pobre, analfabeta até há pouco, ensinada a obedecer em vez de participar, entusiasmou-se por duas vezes: na euforia pós-74 e no rescaldo pós-87. Neste último, acreditou (porque lhe foi incutido, ensinado, apelado, propagandeado) que perfilava o trilho da Europa, de bem estar, proteção social, desenvolvimento económico. E subitamente, tudo se desmoronou, por culpa de quem? da bolha imobiliária americana? da desregulação dos mercados? da fragilidade do edifício europeu? não. Dos portugueses, porque "viveram acima das suas possibilidades". Agora pagam e penam. António Borges disse que o país vive, finalmente, "dentro das suas possibilidades", ou seja, com 1/4 de desempregados, empobrecido, mal-pago e com a educação pública, o serviço nacional de saúde e a proteção social a saque. É, portanto, este o radioso horizonte que é apresentado.

Não me interessa se Portugal regressa "aos mercados" daqui a um ano. Sei, sim, que o ego coletivo está quebrado e que a confiança no país e na Europa está destroçada. E isto, Senhor Professor, não se repara com taxas ou índices. Não sei exatamente como se cura, mas conhecer e reconhecer a realidade do país em que se vive é sempre um bom começo.

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