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jugular

"Mehr Licht!"?

Há uma frase que me vem frequentemente à memória. No Retrato de Dorian Gray, Lord Henry diz ao protagonista, ao verificar a péssima prestação cénica de Sibyl Vane: "It is not good for one's morals to see bad acting", e aconselha-o a sair do teatro. Relembro esta passagem quando deparo com lixo televisivo, por exemplo. Não quero estar atualizado com o que se passa na Casa dos Segredos ou com o último devaneio da Júlia Pinheiro ou do João Manzarra. Tenho as minhas preferências musicais e cinematográficos, gosto mais de Tim Burton do que de Steven Segall e prefiro definitivamente Sakamoto a Lady Gaga. Não é apenas uma questão de gosto. Considero que má televisão, mau cinema e má música me tornariam uma pessoa pior. É ilusão, arrogância, pretensão? Provavelmente. Gostava que alguém o fizesse por mim e decidisse o que me faz bem e o que me faz mal ler, ouvir, ver? Não. Conforta-me saber que são opções minhas. Se são más, não posso acatar responsabilidades a ninguém. Não consigo entender qualquer apologia da ignorância. Que é a fonte de todos os erros e preconceitos, não duvido. Lembro-me das polémicas, há já alguns anos, que rodearam A Última Tentação de Cristo; todas vindas, curiosamente, de quem não viu o filme. 

Posto isto, não tenho nada contra quem pertence a grupos com regras, limitações de conhecimento, desde que se trate de uma opção consciente. E aqui começo a divergir de boa parte do que tenho lido acerca do index de obras proibidas aos membros da Opus Dei. Desagrada-me o estilo voyeur em que navega a coisa, ainda hoje deparei com outdoors do DN que anunciam a investigação que está a dar que falar. O que está a dar que falar não é a forma como os círculos do poder são permeáveis a influências estranhas, não eleitas e não escrutinadas - o que nos levaria muito para além da Opus Dei, evidentemente. O que dá que falar é a lista de obras cuja leitura é proibida aos seus membros.

Parece-me que há uma boa dose de equívoco, a começar por aqui: a Opus não é um clube de férias nem uma sociedade recreativa, onde os membros comparecem ao fim-de-semana para ocupar os tempos livres. Não é um hobby. É uma congregação disciplinada, com regras e normas estritas. Quem adere sabe ao que vai. Portanto, se aceita que, a partir desse momento, prescindiu da capacidade de discernimento e de escolha daquilo que lê, ouve e visualiza, não vejo qual o motivo de espanto. Posso achar ridículo e incompreensível que alguém me proíba de ler Eça, mas eu não sou membro. Eu creio discernir o bem do mal e criei os meus parâmetros de rejeição ao que julgo que me é nocivo. A quem abdica conscientemente desse seu juízo e o concede a terceiros, só tenho uma coisa a dizer: está no seu direito, desde que não me queira convencer a fazer o mesmo.

Mas dizem: são pessoas poderosas, quadros, diretores, executivos, deputados, ministros. É verdade. Vamos fazer uma barrela, então? Passar a sociedade a pente fino para, quiçá por referendo, amostragem ou sondagem feita no Correio da Manhã, votarmos quais as leituras e os filmes obrigatórios a quem ocupa esses cargos? E se este é maçon? E aquele, mórmon? E o outro, Testemunha de Jeová? O diretor Z fará parte de alguma confraria que o impede de ler Camões? e quanto ao opinion-maker A, estará proibido de ver Citizen Kane? Tive uma vez uma colega de trabalho que recusou uma sugestão de leitura porque era o marido quem decidia o que ela podia ou não ler. Nesse dia percebi que cada um escolhe os seus censores, e que a censura tem muitos matizes.

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