Vai de Arroja
O depoimento de Pedro Arroja na RTP-I, ontem pelas quase 22 horas, a propósito do seu livro, é divertidíssimo. Não estou a ironizar. O ar sério com que diz os maiores dislates históricos, a-históricos e não-históricos é de gargalhada. O crédito que lhe é concedido, na RTP e noutras bandas, é que já me faz rir menos. É sempre bom encontrar alguém (e não é um alguém qualquer, "sou um estudioso, sou um académico") com ideias claras e simples: Qual é o grande mal de Portugal? Resposta: a importação de ideologias estrangeiras do norte da Europa (os socialismos germânicos e os liberalismos anglo-saxónicos) que são "versões laicas do mesmo fenómeno, o protestantismo religioso". Ideologias estrangeiras importadas, estranhas, "ruinosas" e "inimigas" da tradição portuguesa. Portugal importou a ideia de partidos e isso é terrível: "os partidos são uma evolução laica das seitas protestantes que visam dividir as comunidades (...) são uma agressão à nossa cultura". Simples e eficaz: não houvesse estes partidos, e Portugal uno e indivisível encher-se-ia de fraternidade lusitana, graças ao "sentido comunitário que os portugueses têm, devido à sua cultura".
De facto, se há povo com sentido comunitário, nada individualista, é o português. Basta tentar marcar uma reunião com mais de 3 pessoas e vê-se o resultado. Ná, isto sou eu que sou um gajo pirrónico, razão tem o Arroja: "o que é essencial daquela cultura germânica é a adversidade entre as pessoas; enquanto que nós portugueses constituimos uma família, eles não; eles são apenas um país com várias comunidades que frequentemente se odeiam umas às outras (...); o que não é o nosso caso, os portugueses não odeiam os portugueses, exceto quando há alguns incentivos a que o façam".
Ora bem, ainda no diagnóstico: o Estado-Providência é mais uma invenção alemã, "criado pelo Bismarck, que perseguiu os católicos". Portanto, proteção social é coisa que não compete ao Estado, mas (tradicionalmente, e assim é que deve ser) à Igreja, que os alemães arruinaram e a quem se tentaram substituir. E economia? Portugal deve fazer aquilo que sabe e que sempre fez: agricultura e pescas, em vez de andar metido nas indústrias aeroespaciais, supremo disparate. De facto, Portugal não tem tradição aeroespacial; o que temos de mais próximo é a Passarola de Bartolomeu de Gusmão. Os americanos, por exemplo, é que têm uma antiquíssima tradição dessas, secular, milenar mesmo. Toda a gente sabe que George Washington era um competente astronauta, que os extraterrestrres construíram Tihuanaco e que há séculos visitam o continente americano regularmente (diz-se que Roswell foi um infeliz incidente causado por um piloto em ressaca). Portanto, o Kennedy limitou-se a recuperar uma antiga tradição lá do país dele. Por cá - e com exceção de alguns intelectuais aluados - nada disso, o que temos com fartura é cortiça, analfabetismo e pesca à linha. E Papa, santos e santinhos, belas tradições muito nossas, sem partidos nem seitas. Os que havia, a Inquisição acabou com elas, acho eu de que, mas isso agora não interessa.
Só isto, coisas pequeninas e muito nossas? Não, senhor. "Portugal sempre foi viável, já dominou meio mundo sem a União Europeia... ainda esses países, que nós andamos agora a imitar, como a Alemanha e esses países do Norte da Europa, ainda eles não existiam como países e já nós éramos grandes no mundo". A descascar sobreiros e a roer côdeas de pão, presumo eu, porque explorar o Atlântico, construir a Mina e financiar uma viagem marítima até à Índia não faziam parte da nossa tradição, era - pouco mais ou menos - como... hmmm, como apostar na indústria aeroespacial hoje, não? isto é só um supônhamos.