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Portugal e Suécia no PISA2012: a culpa do colapso sueco não é dos filhos dos imigrantes

1. A “The Economist” já tinha levantado o véu, e os resultados divulgados ontem confirmaram: prossegue o espectacular declínio do desempenho da Suécia no PISA.  Os três gráficos seguintes comparam a evolução do desempenho de Portugal e da Suécia nos domínios da matemática, leitura e ciências, respetivamente, desde o primeiro estudo de 2000 (o eixo da direita mede a diferença entre os dois países):

 

 

A queda dos resultados dos estudantes suecos é bem mais notável e consistente do que a subida dos resultados portugueses. Independentemente das explicações possíveis, uma coisa é incontornável: em 2012, os alunos portugueses ultrapassaram os suecos nos três domínios, quando em 2000 a diferença entre os dois países andava à volta dos 50 pontos. Isto não seria tão importante se a direita (portuguesa e não só) não evocasse, de forma sistemática e tantas vezes abusiva, o alegado "sucesso" da reforma sueca que, no início dos anos 1990, veio permitir que as famílias escolham a escola para onde pretendem enviar os seus filhos. Se a Suécia é um extraordinário caso de sucesso, então quem o afirma tem de ser confrontado com esta realidade e encontrar explicações.

 

2. Na verdade, a direita ja encontrou a explicação. Nas últimas duas décadas, a Suécia recebeu muitas famílias imigrantes das mais diversas origens geográficas. Naturalmente, a quase totalidade destas não tinha o sueco como primeira língua, o que criou dificuldades na aprendizagem e no desempenho escolar nas crianças e jovens que se inscreveram nas escolas do país. O colapso dos resultados suecos no PISA desde 2000 seria explicado simplesmente pelos efeitos não-pretendidos de uma generosa politica migratória.

Esta é uma hipótese relevante que merece ser analisada – e desconstruída. A tabela seguinte sistematiza os dados relevantes sobre a questão, comparando os dados do PISA2003 e PISA2012 (os relatórios que são alvo de comparação mais pormenorizada no estudo deste ano): 

A tabela confirma que a Suécia tem uma percentagem superior a Portugal de alunos filhos de emigrantes (14,5% dos inquiridos vs. 6,9% em 2012; em 2003, os valores respectivos eram 11,5% e 5% dos alunos inquiridos); e que os filhos dos imigrantes que estudam nas escolas suecas têm resultados inferiores aos dos filhos dos imigrantes que estudam nas escolas portuguesas em 2012 (432 pontos vs. 449). Isto agrava, mesmo que marginalmente, os resultados médios dos alunos suecos. Será esta a chave para explicar o colapso do seu desempenho?

Há uma forma fácil de responder a esta questão: basta excluir da análise os resultados dos filhos das famílias não-imigrantes. Se os alunos suecos oriundos destas famílias, que tinham uma vantagem de 47 pontos sobre os alunos portugueses em 2003, não tiverem piorado o seu desempenho, então talvez a responsabilidade pela queda dos resultados possa ser imputável aos cada vez piores resultados dos filhos de imigrantes. É isto que se passa?

Muito simplesmente, não. Como se vê na tabela, a diferença que era em 2003 favorável à Suécia em 47 pontos (517-470) entre os alunos filhos de não-imigrantes desaparece em 2012, com a diferença a passar a ser favorável a Portugal (493-490). Esta diferença não é, de certeza, significativa do ponto de vista estatístico, mas o ponto essencial não é esse: o fundamental é que, mesmo nesse grupo de estudantes (ou seja, excluindo os imigrantes), a diferença entre portugueses e suecos era gigantesca em 2003 e desaparece em 2012.

Podemos refinar ainda mais a análise. Se formos ao detalhe de separar, entre os filhos de família de não-imigrantes, os que têm como primeira língua o português/sueco e os que, em casa, falam outra língua, vemos que os alunos portugueses e suecos têm o mesmo resultado: 494 pontos. Não encontrei dados para 2003, mas é expectável que estes alunos suecos (que são 85,9% da amostra) tenham tido um desempenho muito superior nesse ano.

 

3. Para não multiplicar desnecessariamente os exemplos que mostram claramente que a culpa dos resultados da Suécia no PISA não é dos filhos dos imigrantes, deixo três gráficos. O primeiro mostra a diferença de desempenho, para os anos de 2003 e de 2012, entre os diferentes quartis. 

 

Vemos facilmente que a descida de resultados atinge também os melhores alunos suecos (no caso português, todos os alunos melhoram, mas os alunos do quartil de topo aumentam mais o seu score).

O segundo gráfico - para ser legível contém apenas os alunos suecos – mostra a evolução dos resultados dos percentis 10, 25, 75 e 90 entre 2003 e 2012:

Como se vê, o declínio de resultados entre 2003 e 2012 é transversal a todos os percentis: o percentil 10 perde 27 pontos; o percentil 25 perde 31 pontos; o percentil 75 perde 33 pontos; e o percentil 90 perde 34 pontos.

Em resumo, o sistema sueco parece ter-se transformado na caricatura que a direita gosta de propagar sobre os “modelos socialistas”: perante estes dados, e não estivéssemos a falar da Suécia, muitos não demorariam um segundo a criticar violentamente os terríveis efeitos de um monstro que nivela a qualidade por baixo e produz mediocridade generalizada; um sistema que, ao mesmo tempo que não tem instrumentos capazes de aumentar as oportunidades de sucesso dos alunos mais fracos, também não permite aos mais “brilhantes” desenvolver todo o seu potencial.

O último gráfico mostra isso mesmo: em 2012, os alunos suecos no percentil 10 já têm resultados inferiores que os portugueses no mesmo percentil; e os alunos suecos no percentil 90 já foram ultrapassados pelos estudantes portugueses de topo. Se o “monstro socialista” produz mediocridade generalizada, o que dizer do "modelo liberal"?

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