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O estranho caso da Constituição que criou uma sociedade sem classes e do Tribunal que a aplica

Chegaram à minha atenção as declarações proferidas por Braga de Macedo sobre o Tribunal Constitucional numa conferência intitulada "Can the Eurozone Be Saved?" e que podem ser acedidas aqui, a partir do minuto 10:30.

 

Braga de Macedo foi Ministro das Finanças. Braga de Macedo é Professor de Economia na Universidade Nova de Lisboa (capacidade em que é apresentado na referida conferência). Braga de Macedo é licenciado em Direito.

 

Pois Braga de Macedo através de um mix de ignorância e engano consegue perverter a Constituição, disseminando - neste caso em Austin, Texas, perante uma plateia e convidados muito variados e de diversas proveniências - uma ideia completamente errada do que faz o Tribunal Constitucional e do que é a nossa Lei Fundamental. Depois de Vítor Bento nos jornais portugueses, é agora a vez de outro economista continuar o embuste que se pretende montar em torno da Constituição e do Tribunal Constitucional, desta feita internacionalizando a mentira e dando-lhe vestes académicas e científicas.

 

1. Segundo Braga de Macedo o que o TC está a tentar fazer em Portugal (ao contrário do que faz o TC alemão, segundo o eminente Professor e ex-Ministro) é "preservar a Constituição que foi votada em 1976, que levou a uma nacionalização generalizada da economia, e à construção de uma sociedade sem classes". Acrescenta, "é isto que o Tribunal Constitucional se vê a fazer".

 

É realmente verdade que a Constituição foi votada em 1976. É mesmo a única parte da afirmação que é verdade. Gostava de conhecer os dados que demonstram a nacionalização generalizada da economia, mas como jurista o que me interessa é que Braga de Macedo ignora por completo a revisão de 1989 e todo o fenómeno das reprivatizações. Quanto à construção da sociedade sem classes que a Constituição de 1976 originou, pedia por obséquio a Braga de Macedo que me desse indicações de onde a posso encontrar.

 

Mas quando Braga de Macedo faz interpretação autêntica do pensamento do Tribunal Constitucional, então entramos no reino da mais completa falácia e da negação de toda e qualquer esperança de tratamento científico do problema que lhe cabia tratar.

 

2. Braga de Macedo afirma que "o Tribunal Constitucional não acha o Memorando de Entendimento", que, relembra ele, foi assinado por 80% do Parlamento, "tão relevante quanto à Constituição de meados dos anos 70".

 

Ora bem, como explicar isto? Fui ver. Braga de Macedo nasceu em 1946. Dizer-se que a Constituição que o TC hoje aplica é a Constituição de meados dos anos 70 é o mesmo que dizer-se que o Braga de Macedo que profere esta inanidade é o Braga de Macedo de meados dos anos 40. Creio que todos podemos concordar que não é verdade. Mas no caso da Constituição de 1976 até conseguimos dizer em momentos se deram as alterações destinadas a actualizar a Constituição à vontade soberana do povo português: sucedeu em 1982, em 1989, em 1992, em 1997, em 2001, em 2004 e em 2005.

 

Braga de Macedo quer mesmo fazer crer a uma plateia de norte-americanos que temos uma Constituição socialista de meados dos anos 70. 

 

3. Braga de Macedo afirma também que o TC se "agarra a uma interpretação muito legalista da Constituição, contrária à experiência norte-americana"

 

Não sei bem o que pretende Braga de Macedo dizer com esta afirmação, mas suspeito que pretende referir-se a uma défice de interpretação actualista que leve em consideração o contexto de ajustamento de que fala na sua intervenção. Pois bem, o TC com as suas decisões deixou passar 80% da austeridade, como pode ler-se aqui. Para poupar a Braga de Macedo a leitura dos acórdãos e a descoberta da fundamentação que permitiu estes 80% de austeridade eu explico: interpretação actualista e conjuntural, aberta às especificidades do contexto de emergência português. A experiência norte-americana, aliás, bem conhecida da jurisprudência constitucional portuguesa, não tem aqui nada de distinto.

 

 

 

 

O meu problema não é que Braga de Macedo profira estas afirmações. O meu problema é que estejam pessoas normais a ouvi-lo.

 

Imaginem-se numa conferência onde um Professor de um país que mal conhecem desenha, com um tom autorizado, um quadro científico sobre um tema complexo. Qual é a vossa tentação? Acreditar no Professor e no cenário que ele desenha sobre esse país.

 

Pois bem, Braga de Macedo, como por ventura outras personalidades cujas intervenções académicas e políticas no estrangeiro desconhecemos, anda a construir sobre Portugal um cenário errado no que toca à nossa Constituição e ao modo como o Tribunal Constitucional a interpreta em 2013. Com isso cria uma imagem do país que é falsa e prejudicial. Há um de dois nomes para isto: ignorância ou má-fé.

 

Preocupa-me, sobretudo, que Vítor Bento e Braga de Macedo sejam apenas a ponta do iceberg que a portas fechadas, em reuniões e conferências por essa Europa e mundo fora, arrasta uma gigante mentira submersa e dissimulada. Não nos enganemos: o que estamos a travar é uma luta ideológica e este é mais um exemplo disso. Parece que na guerra continua a valer tudo.

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