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jugular

Há já uns poucos dias que me anda a apetecer tocar no assunto, não passa de hoje.

Falar em medicina humanizada é para mim um pleonasmo cuja utilização deveria ser absolutamente desnecessária. Por isso mesmo só posso ser uma entusiasta e fervorosa defensora dos cuidados paliativos, área da medicina iniciada há pouco mais de 40 anos que, felizmente, tem vindo a crescer em número e qualidade um pouco por todo o mundo e também cá pelo burgo.

Um parêntesis para dizer que independentemente das diferenças de opinião que dela me separam, bastante evidentes aquando do Referendo de 2007, não seria justa nem honesta se não sobrelevasse o nome, e a acção, de Isabel Galriça Neto no que a este tema diz respeito. De facto, a actual presidente da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos e directora do serviço de Cuidados Paliativos do Hospital da Luz tem feito um trabalho notável na implementação e expansão dos cuidados paliativos de qualidade, quer do ponto vista clínico, quer em termos organizacionais e formativos. Dito isto, continuemos.

De acordo com a definição dada pela WHO, os cuidados paliativos complementam outras áreas de intervenção médica, não sendo, por definição, uma especialidade de charneira no primeiro contacto do doente com os cuidados de saúde. Por isso mesmo reagi com algum desconforto à crónica da Laurinda Alves no Público de há uma semana. Comecemos pelo princípio. Se é certo que todos gostamos de "fazer bonito" - why not?, é legítimo -, já não me parece ser tão correcto que um qualquer assunto seja reduzido ao "bonito". Explico o meu ponto. É muito mais atractivo contar o episódio por mim participado, no decorrer do qual consegui evitar que um indivíduo se mandasse da janela de um quinto andar (se o tivesse feito o mais certo seria ter morrido), que aquelas outras situações onde, de algum modo menos espectacular, contribui igualmente para abortar uma tentativa de suicídio. A verdade é que o aumento da eficácia do combate ao suicídio e o propósito primeiro das estruturas que se dedicam a este assunto não é o evitamento da defenestração ali mesmo nas nossas barbas. O mesmo se aplica aos cuidados paliativos, cujo objectivo primário não é disponibilizar uma enfermeira para acompanhar um doente terminal durante três dias numa viagem a outro país  - atenção, não estou a criticar nem a menosprezar a atitude, mais, não questiono a melhoria da qualidade de vida (QoL) do doente a quem tal foi proporcionado e, desse modo, tenho que a encarar como um meio para efectivar os propósitos dos cuidados paliativos, apenas estou a querer dizer que o que aconteceu é uma excepção, não representativa da realidade quotidiana de uma Unidade de Cuidados Paliativos. Mas o que verdadeiramente me "pareceu mal" - o que me encanitou, vá, como diria o pastorinho - foi o fecho do texto, onde se lê "dou comigo a pensar que no dia em que me acontecer ir parar ao hospital, que seja a uma Unidade de Cuidados Paliativos. E digo isto sem nenhum exagero, note-se.". Será muito pouco provável que tal desejo se cumpra, tendo em conta que o internamento numa unidade de cuidados paliativos é um recurso tardio no processo da doença, mas sobretudo não é um bom serviço informativo vindo de alguém que teve formação específica na área porque desenvolve trabalho de voluntariado numa das poucas unidades que existem no país.

Os cuidados paliativos não são uma caridade, são uma necessidade e um direito de quem sofre. Durante quase todo o século passado a medicina preocupou-se em prolongar a vida dos indivíduos, às vezes com custos humanos incompreensíveis, e só no seu "finzinho" se começou a falar  da QoL e da sua importância. Pensando eu que a QoL deve ser um constructo transversal a todas as especialidades médicas não me parece razoável passar a mensagem de que essa obrigação é pertença exclusiva de um sector específico da actividade clínica.

Já agora aproveito para relembrar que, ao contrário do que muitos querem fazer crer, a eutanásia e os cuidados paliativos não são mutuamente exclusivos. Em meu entender, aliás, são duas maneiras de pugnar pela dignidade da vida. Fica para outro dia.

 

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