À atenção de qualquer enfermeiro que por aqui passe
Na sequência deste meu post, e da conversa na respectiva caixa de comentários, pedia a quem de direiro o favor de responder às questões que coloco e de contrariar, justificando, as afirmações que faço (as frases entre aspas são opiniões minhas).
1. "a farmacologia que é dada na licenciatura de enfermagem é escassa"
Não é? Mostrem-me os conteúdos curriculares das diferentes licenciaturas em enfermagem
2. "triar e diagnosticar são coisas diferentes"
Não são? Não saber a diferença é grave.
3. "pedir exames subsidiários de diagnóstico só se justifica para ajudar a sustentar ou excluir um diagnóstico"
Não é? Para que servem, então? Quando devem ser pedidos e quais?
4. "a formação em patologia clínica não faz parte do currículo académico da licenciatura em enfermagem"
Faz? Mostrem-me os conteúdos curriculares das diferentes licenciaturas em enfermagem
Vamos lá deixar-nos (mesmo) de patetices.
Adenda: também na caixa de comentários do mesmo post pedi opinião a um enfermeiro, doutorado em enfermagem e actual finalista de medicina.
Eis a resposta que me enviou
Gostaria de começar por agradecer o convite que me foi endereçado para participar nesta discussão, por parte de uma pessoa por quem tenho imenso respeito e admiração. Porque ela é médica???? Não, porque ela SABE ser médica. Mas já lá chegaremos.
O assunto é nuclear para o Serviço Nacional de Saúde, e eu continuo a acreditar e a defender o SNS.
Em relação ao assunto em debate, gostaria de dizer antes de tudo que estou em posição privilegiada para o comentar. Fiz um percurso de profissional de enfermagem passando por vários serviços hospitalares, um percurso académico e há vários anos que lecciono várias disciplinas a cursos como Enfermagem, Fisioterapia e Psicologia, conheço portanto de forma profunda o currículo dos mesmos.
Actualmente a quatro meses de terminar o curso base de medicina, e de conhecer ambas as realidades, apetece-me dizer que qualquer semelhança é pura coincidência.
Que excelentes profissionais tive a oportunidade de conhecer ao longo da minha vida, enfermeiros, fisioterapeutas, terapeutas da fala, e a eles devo bastante saber que adquiri. “Saber”, não “Conhecimento”. Não podemos entrar numa discussão académica seja ela qual for e argumentar ideias como: “sempre foi assim que se fez”, “a minha experiência diz-me que….”, “faço isto assim há anos e sempre correu bem”.
Penso que é fundamental que cada profissão da área da saúde, todas elas nobres e sem as quais certamente estaríamos a assistir ao colapso ainda mais grave do SNS, mantenha a sua esfera de actuação. É sabido que na saúde, muito frequentemente, as competências cruzam-se, o limite não se encontra claramente definido. Verdade! Mas tenho imensa dificuldade em perceber, porque é que tive de passar horas, sim horas, em dois simuladores de auscultação pulmonar e cardíaca, porque é que só no primeiro ano do curso de medicina fui avaliado quatro vezes por especialistas em cardiologia e pneumologia, além das outras avaliações que se seguiram nos anos seguintes, para poder auscultar um doente e depois chegar a um serviço, onde uma enfermeira chefe, só porque sim, decidiu auscultar um doente e passar a informação, como se estivesse a falar da mais inabalável das verdades humanas. A questão nuclear deste situação é que a profissional, a quem me refiro, é uma excelente enfermeira, quando o decide ser, mas no fundo uma péssima médica. E só o podia ser….A formação em farmacologia, patologia geral, fisiopatologia, anatomo-fisiologia, semiologia médica, e por último, a exigência que é feita ao médico pelos seus pares só tem comparação com as horas de estudo e dedicação que o mesmo terá de dar de si próprio e da sua vida pessoal.
Nunca vi um profissional de medicina a calçar luvas e a ir fazer higiene aos doentes, ou um psicólogo, ou um assistente social. Porque cada área tem o seu espaço de actuação e no final todas elas são importantes. Penso que questões como TAE’s a substituírem enfermeiros no pré-hospitalar, auxiliares a fazerem o trabalho de enfermeiros nos lares, a perda crescente de conteúdo funcional dos profissionais de enfermagem, essas sim são questões sobre as quais a Ordem dos Enfermeiros devia estar atenta.
Não podia ter explicado melhor a Ana Matos Pires quando refere que por detrás de cada exame auxiliar de diagnóstico está uma lógica causal, uma história clínica, um exame objectivo, a colocação de hipóteses dirigidas, no fundo o raciocínio clínico. A má prática clínica baseia-se exactamente numa má história clínica, num fraco exame objectivo e no uso de imensos meios complementares de diagnóstico para colmatar as falhas anteriores. Um clínico que se dedique ao estudo da semiologia médica, e das variadas disciplinas do conhecimento médico, quando solicita um exame complementar de diagnóstico, só o faz para coadjuvar aquilo que já se apurou e sabe, poder fechar ou excluir o diagnóstico.
Se alguém quiser assumir essa má prática clínica, que o faça, sobre a sua própria responsabilidade, sabendo que os meios complementares de diagnóstico não são de forma alguma isentos de riscos, muito menos os medicamentos.
O nosso SNS continua a ser um dos melhores porque os profissionais são de elevada qualidade, são bem formados nas suas áreas, são interessados e procuram no seu quotidiano dar o melhor de si próprio com os poucos recursos que possuem. Lutemos todos juntos por melhorá-lo, não por destruí-lo.