carta aberta a Paula Carqueja
Desculpe não a tratar por Dra., Engª. ou outro epíteto académico qualquer. Eu sou também só Pinto, Paulo Pinto. Não sou professor de carreira, apenas investigador e, para o que interessa aqui, sou autor de trabalhos académicos e já participei em muitas "jornadas" (internacionais ou não). Sabe, eu tenho consciência de que fez o que achou que lhe competia, enquanto presidente da Associação Nacional de Professores, e que ninguém a censura por isso. No fundo, a honra da associação e dos professores que representa não pode ficar manchada pelos atos de um seu ex-presidente e ex-secretário de Estado. Mas o espírito corporativo tem limites e portanto, estivesse eu no seu lugar, lamentaria o incidente, poderia elogiar as qualidades da pessoa em causa, no desempenho da sua função, mas não seria conivente e cúmplice do plágio que cometeu, e muito menos tentaria arranjar desculpas esfarrapadas - para não dizer algo bem menos simpático - para o efeito.
Em Portugal, o crime compensa. Ser-se espertalhaço também. Há uma cultura de desculpabilização para com quem foge ao fisco, quem passa à frente na fila, quem não cumpre o código da estrada, quem não respeita o trabalho alheio. Ninguém se rala com plágios. Uns fogachos na imprensa e ninguém se lembra disso dois dias depois. Afinal, há tanto caso por aí, todos os dias, da mais pura vigarice, embuste, logro, mentira, envolvendo política e finança, que um plágio acaba por ser um pecadilho minúsculo, insignificante e ridículo.
A Paula assinou um comunicado onde diz que lamenta a demissão do ex-Secretário de Estado porque "a denúncia feita é um vil ataque pessoal, com fins inconfessáveis". Deduzo, portanto, que o que lhe importa é a motivação de quem denunciou, de quem soprou os documentos à imprensa. Lamenta que a verdade tenha sido descoberta, certo? Se eu amanhã matar alguém e daqui a 10 anos tiver responsabilidades governativas, a Paula não condenará o crime, mas sim a vileza de quem me denunciar para impedir que eu seja ministro. Ah um plágio não é tão grave como um assassinato? Decerto que não. Mas a ANP também não é um clube de jogadores de bisca; representa professores, os mesmos que têm que se confrontar, com crescente incidência, com a praga do plágio nos trabalhos escolares. Não haverá por aí um qualquer puto que amanhã, ao ser confrontado pelo professor com o trabalho aldrabado que entregou, lhe atire em cara que o ex-presidente da Associação Nacional de Professores fez o mesmo e recebeu louvores desta?
Plágio é batota, sabia? O ex-presidente fez batota. Fez. Os documentos divulgados pelo Público só deixam dúvidas a quem não quer ver ou a quem o quer esconder. Não insulte a minha inteligência. A nossa, a dos leitores, do público e dos professores, alegando que a acusação de plágio não tem fundamento porque "a intervenção do Dr. João Grancho, enquanto presidente da Associação Nacional de Professores, no referido evento, traduz a política pensada, à altura, para a referida temática". A "intervenção" "traduz"? Desculpe? Um participante numas jornadas que apresenta uma comunicação não é o seu autor, não responde por ela? Está lá no documento, logo na folha de rosto: Jornadas Europeas Sobre Convivencia Escolar - Murcia, 27 de Abril de 2007 - “Dimensión moral de la profession docente. un compromisso europeu” - João Henrique C. D. Grancho - Associação Nacional de Professores - Portugal. Quem quer que alguma vez tenha feito uma comunicação num colóquio, num congresso, num workshop, sabe bem que - e nisto os anglo-saxónicos são imbatíveis, com o seu «quote... end of quote» - ideias alheias, trabalho de terceiros é sempre, sempre referido. Aliás, a comunicação cita autores, obras, datas; tem até excertos transcritos, devidamente assinalados. Porque o fez nuns casos e não noutros, nos tais em que parafraseou parágrafos inteiros sem indicar a origem? Só ele o sabe, mas não o diz. O meu palpite é que achou que autores estrangeiros são para respeitar, já os portugueses, não. Ou então, alguém cozinhou-lhe aquilo à pressa com um copy/paste, que vida de presidente da ANP deve ser atarefada e não dá para preparar e conferir minudências destas.
O ex-secretário de Estado declarou que se trata de "um mero documento de trabalho, não académico nem de autor". É falso. Um presidente da ANP não apresenta "meros documentos de trabalho" em jornadas internacionais (se o fez, é um embaraço ainda maior para a Associação); se não é académico, por que razão tem o texto bibliografia, referências, citações e aspas? Se não é "de autor", por que está identificado enquanto tal? Depois demitiu-se. A Paula e a direção que representa acharam por bem envernizar a mancha de encardido dizendo que o não é: que é arte. Fica-lhes mal. Eu só digo: não sou professor de carreira, mas se o fosse, e eventualmente, associado da ANP, garanto-lhe que já me tinha desvinculado, porque não suporto varridelas para debaixo do tapete em nome do corporativismo profissional.