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Descubra as diferenças (final)

W. Clode, médico contemporâneo de Gentil Martins, publicou na Revista da Ordem dos Médicos (ROM) um artigo onde comparou a homossexualidade ao daltonismo. Reagi assim, na ROM, pedindo responsabilidades à publicação médica - não se tratava de um órgão de comunicação social generalista, Clode não estava a dar uma entrevista de vida, no IPO, Clode não era um decano da medicina nacional. Mais, Clode não era reincidente.

 

Quanto a Gentil Martins, aqui decidi não tomar conhecimento e aqui optei pela ridicularização. Desta vez, porque achei que os dislates clínicos e deontológicos já ultrapassavam o razoável, pelo conjunto de razões que já aqui referi e porque me pareceu que a convicção de impunidade era absoluta e insustentável, mal li a sua entrevista ao Expresso da semana passada pedi a atenção da OM e em especial  do bastonário ("linquei" Miguel Guimarães num post que coloquei num grupo fechado a médicos, no FB). Nada que a OM não tivesse feito recentemente com outros clínicos – aqui e aqui, por exemplo.

 

PS:Já tendo apelado à deontologia de outras classes profissionais, e à sua Ordem, estranho seria não o fazer agora, a bem da minha coerência.

5 comentários

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    Filipe Gomes 04.08.2017

    Algumas observações avulsas sobre o seu comentário:

    (1) "A homossexualidade saiu da lista de doenças por mera votação entre especialistas. Não houve qualquer descoberta através de uma análise ou uma qualquer demonstração cabal."

    Uma votação entre especialistas não é feita num vácuo. Sendo especialistas, é de esperar que uma sua parte significativa esteja a par dos estudos feitos sobre o assunto. A votação a que aludiu foi feita em 1973; os especialistas da American Psychiatric Association tinham pelo menos vinte anos de estudos em que se basear para formar uma posição cientificamente informada, levados a cabo por Kinsey, Hooker, Armon, entre outros.

    Ao fazer referência ao processo que levou à remoção da homossexualidade do DSM como uma "mera votação entre especialistas", está a menorizar injustificadamente o valor das posições científicas desses especialistas. Para além disso, apesar de o processo ter culminado com uma votação, esta foi precedida de uma revisão da literatura pertinente. Pode ler mais sobre o assunto nas primeiras secções do segundo capítulo deste documento: https://www.apa.org/pi/lgbt/resources/therapeutic-response.pdf

    (2) "O que sei - isso é certo - é que a criação de dogmas na ciência é a antítese da própria ciência."

    Concordo em absoluto. Neste caso, não se trata de um dogma. Trata-se do entendimento científico sobre esta matéria, que pode ser considerado bastante consensual. Há um ponto a partir do qual as teorias científicas se consolidam suficientemente para que deixe de fazer sentido tentar substituí-las por outras que as contradigam de forma fundamental. Por exemplo, a teoria da evolução por selecção natural não é um dogma (o método científico não permitiria considerá-la como tal), mas é suficientemente sólida para que a possamos tratar como um facto assente, para todos os propósitos práticos. A matéria em discussão é mais escorregadia que a teoria da evolução, em certo sentido, mas é suficientemente consensual para que a discussão sobre ela tenha de se basear no entendimento científico que temos actualmente.

    (3) "Querer estabelecer um dogma nesta matéria, proibindo quem discordar e tiver uma opinião diferente, é a maior demonstração da fragilidade da tese de que não se trata de uma doença. Mais: é a demonstração clara de que há uma agenda ideológica por trás do assunto."

    Imagine a seguinte situação: um médico dá uma entrevista na qual refere que as terapêuticas convencionais de tratamento do cancro são um embuste. Esta afirmação não só é cientificamente errada como é perigosa; pode pôr em risco a saúde de quem a leia e seja por ela influenciado, tomando-a como uma verdade médica e científica.

    A situação que ocorreu com o Dr. Gentil Martins não é assim tão distinta. Afirmar que a homossexualidade é um distúrbio de personalidade, ou uma doença psicológica é uma afirmação cientificamente errada e potencialmente perigosa para a saúde mental de quem a leia, pelas mesmas razões que apontei no exemplo que dei acima.

    O Dr. Gentil Martins tem uma responsabilidade moral e deontológica (tal como previsto no código deontológico da Ordem dos Médicos) de guiar as suas afirmações pela evidência científica disponível. É o Dr. Gentil Martins que, nesta situação, interpreta a evidência científica como lhe convém, dobrando-a e distorcendo-a de modo a que esta caiba dentro da sua concepção enviesada desta questão.

    Não se trata, como o Pinto quer fazer parecer, de um ataque à liberdade de expressão ou a qualquer outra liberdade. Trata-se de dar a uma opinião o valor que ela tem em termos científicos (pouco ou nenhum) e agir em conformidade perante afirmações que estão em oposição à ciência, à ética e à deontologia. Isto é uma discussão científica, é a nível científico que deve ser feita.
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    Pinto 05.08.2017

    Filipe, eu não desvalorizei a votação. Pelo contrário: frisei-a. O resultado dessa votação não foi unânime. Por isso não há, como o Filipe diz, consenso. O assunto não é consensual. Mas antes que o fosse. 
    Os tratamentos ao cancro são mais consensuais mas mesmo nesse campo não me espantaria que um médico dissesse que eram um embuste. A lobotomia foi um assunto consensual (tão consensual que o seu mentor recebeu um prémio Nobel). Imagine que um maluco qualquer se lembraria de colocar essa intervenção em causa. E não é que o fizeram! E não é que aquilo que era consensual deixou de o ser! Agora imagine que era deontologicamente proibido colocar essa intervenção em causa. 
    Outro exemplo? Vou pegar nos seus. Até há umas décadas, o "Homem de Java" e o "Homem de Piltdown" eram provas acabadas da autenticidade da teoria de Darwin. Até que, com os avanços da ciência na segunda metade do séc. XX, se veio a revelar que se tratava de fraude para tentar estabelecer consenso onde ele não existia. Para tentar edificar um dogma. A teoria da evolução de Darwin evoluiu muito nos últimos anos. As últimas teses já vão no sentido de que, bem, afinal sempre existiram duas espécies distintas. O que era consensual há cem anos deixou de o ser. Agora imagine que o assunto era tabu e que era denontologicamente errado negar as "evidências" do "Homem de Java" e do "Homem de Piltdown". Agora imagine que se tinham instaurado processos disciplinares a determinados especialistas por estes terem defendido que se tratava de fraude. 
    E note que estou a falar de aspectos que - esses sim - eram consensuais na comunidade científica. Este não o é nem nunca o foi. Quer-se criar, a todo o custo, um consenso através da censura de opiniões. Não há, como você refere no penúltimo parágrafo, qualquer "evidência científica". Expressão, aliás, que parece ir em contramão àquilo que tinha dito antes de que a matéria era "escorregadia". Se é escorregadia, então não há qualquer evidência científica. 
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    Filipe Gomes 05.08.2017

    (1)"O resultado dessa votação não foi unânime. Por isso não há, como o Filipe diz, consenso. O assunto não é consensual."

    Há uma diferença entre "consenso", como é entendido no contexto da ciência, e "unanimidade". O consenso científico não implica necessariamente que haja unanimidade.

    De qualquer forma, a votação não foi unânime há mais de 40 anos. Arrisco dizer que o resultado de uma votação semelhante hoje em dia, com as opiniões dos especialistas baseadas nesses tais 40 anos de estudos (e mais os 20 que existiam antes da votação e que já referi), seria muito diferente.

    (2) "Outro exemplo? Vou pegar nos seus. Até há umas décadas, o "Homem de Java" e o "Homem de Piltdown" eram provas acabadas da autenticidade da teoria de Darwin. Até que, com os avanços da ciência na segunda metade do séc. XX, se veio a revelar que se tratava de fraude para tentar estabelecer consenso onde ele não existia. Para tentar edificar um dogma. A teoria da evolução de Darwin evoluiu muito nos últimos anos. As últimas teses já vão no sentido de que, bem, afinal sempre existiram duas espécies distintas. O que era consensual há cem anos deixou de o ser. Agora imagine que o assunto era tabu e que era denontologicamente errado negar as "evidências" do "Homem de Java" e do "Homem de Piltdown"."

    Uma coisa é existirem questões e controvérsias em relação a aspectos particulares de uma teoria científica, o que é perfeitamente natural, especialmente em grandes teorias unificadoras e transversais como é o caso da teoria da evolução. Outra coisa, completamente diferente, é pôr em causa a teoria como um todo.

    Eu não acho que o Pinto compreenda o que está aqui em causa. Não se trata de impedir o avanço da ciência silenciando hipóteses alternativas. Trata-se de chamar a atenção da Ordem dos Médicos para declarações que vão no sentido oposto ao seu código deontológico, pelas razões que eu e a autora do post já explicitámos mais que uma vez.

    (3) "Não há, como você refere no penúltimo parágrafo, qualquer "evidência científica". Expressão, aliás, que parece ir em contramão àquilo que tinha dito antes de que a matéria era "escorregadia". Se é escorregadia, então não há qualquer evidência científica."

    Não há evidência científica? Deixei-lhe uma ligação para uma sugestão de leitura. Talvez possa começar por aí antes de prosseguirmos esta discussão.

    Eu não disse que a matéria era escorregadia. Disse que o era em maior grau quando comparada com a teoria da evolução, o que é muito diferente.
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    Pinto 06.08.2017

    A palavra consenso refere-se a uma conformidade de opiniões. A votação foi renhida, logo pouco consensual. Então unanimidade, isso está completamente descartada. Antes e hoje. Apesar da devoradora propaganda ideológica há muitas pessoas que insistem que se trata de doença e que tem tratamento. Confesso que não sei por manifesta falta de conhecimentos nessa área. Mas o presidente da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria, Adriano Vaz Serra, teve uma opinião diferente da sua numa entrevista ao Público, no dia 2 de maio de 2009. A sua opinião foi acompanhada pelo presidente do colégio da especialidade de psiquiatria da Ordem dos Médicos, João Marques Teixeira, nessa mesma entrevista. A psicóloga, psicoterapeuta e terapeuta familiar, Margarida Cordo, também encara a homossexualidade como um transtorno. A psicóloga Maria José Vilaça idem. 
    Note três aspetos: 1) não são pessoas irrelevantes nas suas áreas; 2) apenas referi uns nomes que me vieram à cabeça por ter lido e agora recordado; 3) referi apenas nomes do nosso país. Unanimidade?
    Quando há evidências o assunto nunca é escorregadio. Ele é escorregadio quando há falta de evidências. Obviamente que o tema é tudo menos consensual. Mas mesmo que fosse consensual, o médico poderia expressar uma opinião diferente. 
    Diga-me qual o artigo do Código Deontológico que a declaração de Gentil Martins violou. Em primeiro lugar o Regulamento de Deontologia Médica (Regulamento 707/2016) circunscreve (como em todos os diplomas legais) o âmbito da norma. O art. 2.º baliza esse âmbito de forma cristalina: "As disposições reguladoras da Deontologia Médica são aplicáveis a todos os médicos no exercício da sua profissão, independentemente do regime em que esta seja exercida". Em segundo lugar, mesmo no exercício da sua profissão, o médico "é técnica e deontologicamente independente e responsável pelos seus atos". O Código Deontológico oferece ampla liberdade aos médicos. É necessário um esforço tremendo e muita imaginação para se querer silenciar a opinião de Gentil Martins segurando o Código Deontológico com as duas mãos em frente a ele. A Ordem não é nem pode ser uma mordaça. Ele deu a sua opinião e é livre de o fazer. 
    Bem, eu não tenho conhecimentos médicos e por isso não tenho uma opinião técnica. Mas uma coisa é certa: se no séc. VII a.c. toda a gente fosse canhota o mundo era seguramente mais monótono. Mas cá estávamos todos. Se no séc. VII a.c. toda a gente, por qualquer razão, fosse homossexual, o mais certo é que a espécie humana se teria extinto. Mas é a opinião de um leigo e vale o que vale. Não me falem é de unanimidade, de evidências, do "a ciência diz que", de mordaças, de censura, de ameaças com instauração de processos. Isso só denota que há uma agente político-ideológica por trás do tema. Se ele tivesse vindo defender que a obesidade não era doença nem sequer tinha sido notícia. 
    Filipe, não sei se lhe conseguirei responder a uma eventual resposta. Se não puder, não encare como deselegância. Vou de férias e não sei se o poderei fazer.
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