Entrada de leão - texto de Tiago Antunes
Todos sabemos bem como este Governo, que transpira incompetência, é no entanto um mestre da novilíngua, demonstrando altíssima criatividade e performance na manipulação vocabular. “Irrevogável” passou a ser irrelevante. “Alívio fiscal” passou a ser mais do mesmo. Pois bem, entre ontem e hoje, “vinculativo” passou a ser indicativo e “sucesso” passou a ser derrota. Senão, vejamos.
Ontem, Passos Coelho chegou ao Conselho Europeu, de peito feito, a ameaçar que vetaria as conclusões, em matéria de política climática e energética, se elas não contemplassem metas vinculativas quanto às interconexões elétricas entre a Península Ibérica e o resto da Europa. A verdade, porém, é que as conclusões acabaram por não contemplar tais metas vinculativas. E, contudo, Portugal não vetou. Apesar disso, revelando que não há limites para o descaramento, hoje o Primeiro-Ministro veio cantar vitória.
Vale a pena seguir os acontecimentos através do próprio site do Governo. Nem sequer é preciso ir mais longe para constatar a contradição. Anteontem dizia-se aí o seguinte:
Hoje, depois de acordo final NÃO ter contemplado metas vinculativas quanto às interligações elétricas, o site do Governo afirma:
Portanto, um “excelente resultado” é, afinal de contas, um recuo em toda a linha. Sendo que muitos jornalistas foram atrás deste embuste, propalando o acordo alcançado como um grande feito quando, em bom rigor, o Governo não conseguiu aquilo que queria: que as metas relativas às interligações fossem vinculativas. Pior: não só o Governo não conseguiu o que pretendia, como “meteu a viola no saco” e não utilizou o poder de veto que tinha ameaçado usar.
Em suma, uma vez mais o Governo fez figura triste em Bruxelas. É certo que o acordo fala em interligações e até refere metas (10% em 2020 e 15% em 2030). Isto é, para sermos totalmente honestos, positivo para Portugal e deve-se à insistência que o Ministro Jorge Moreira da Silva tem colocado nesta questão. Mas a verdade é que o Governo recuou em toda a linha quanto à vinculatividade das metas – tudo uma “discussão semântica”, como lhe chamou Durão Barroso, para disfarçar, provavelmente inspirado pela proficiência governamental na inovação linguística – e não pode agora branquear esse recuo, apresentando um fracasso (numa questão tão sensível que Portugal tinha até ameaçado usar o poder de veto) como se de uma vitória plena se tratasse.
Quem teve grandes vitórias, sim, foi a Polónia e outros Estados-Membros de leste, que obtiveram a possibilidade de continuar a atribuir licenças de emissão gratuitas às suas centrais elétricas até 2030, quando o Direito Europeu prevê claramente que tal tratamento de exceção deveria terminar em 2020. Já Portugal ficou a meio caminho quanto às suas pretensões, não conseguindo fazer vingar o cariz vinculativo das interligações.
Por mais que gritem bem alto que foi um sucesso, a verdade é que Portugal voltou para casa com menos do que pretendia. E expôs-se ao ridículo, ameaçando sacar da pistola, mas mantendo-a bem apertada no coldre. Passos Coelho pode até armar-se em rebelde e, para consumo interno, dizer que vai bater o pé; mas, quando chega a Bruxelas, será sempre o menino bem comportado que não levanta a voz, nem faz ondas. Ora, não precisamos de um capacho em Bruxelas, precisamos de alguém que seja consequente e determinado na defesa dos nossos interesses.