"Tenho aprendido com os meus pacientes que a depressão é sempre uma depressão infantil, na medida em que radica numa dinâmica relacional primária sentida como desvalorizante do próprio na infância.". Começa assim um texto ontem publicado no jornal Público, assinado pela psicóloga e, pelos vistos, psicoterapeuta Catarina Rodrigues.
A isto chama-se desinformação e psicologia - e psicoterapia - de cordel. É grave, muito grave, equivale à banha da cobra vendida como "cura para o cancro".
A depressão é uma doença. É uma doença polimorfa, isto é, que se apresenta de diferentes maneiras do ponto de vista clínico, e a sua etiologia é multifatorial. E não, a depressão NÃO é "sempre uma depressão infantil".
Mais, a depressão não tem masculino nem feminino. A cereja em cima do bolo deste naco de pseudo-ciencía são os exemplos sexistas e primários escolhidos para dar corpo à depressão numa mulher e num homem Que patetice é esta de exemplificar o adoecer depressivo de uma mulher dizendo que os pais a viam "como uma menina (não como um projecto de mulher)" e que a desvalorização ia de "coisas tão pequenas como a culinária... a coisas tão grandes como o nunca dizerem que eu era bonita.” por oposição ao adoecer depressivo num homem, onde é escrito “os meus pais não apostam muito em mim como futuro homem. Não acham que eu perceba de política, não me vêm como capaz de ganhar a vida por mim mesmo, sem a ajuda deles.”?
Repito, a depressão é uma doença: tem um curso, um tratamento - biológico e psicoterapeutico - e um prognóstico. É multideterminada, com contributos biológicos, psicológicos e sociais. Pode surgir em qualquer etapa do ciclo da vida. Tem uma enorme prevalência e incidência. Pode ser grave. Pode matar.
A responsabilidade dos técnicos de saúde mental no diagnóstico e tratamento da depressão é enorme. A contribuição que estes técnicos, em particular os médicos e os psicólogos clínicos, têm obrigação de dar para o aumento da literacia em saúde - uma das principais medidas para o diagnóstico precoce da depressão e para o seu correto e eficaz tratamento - não se compadece com falsa e incorreta informação passada através de meios de comunicação social importantes.
Nós, os senhores doutores psis, nunca podemos esquecer que não matamos mas deixamos morrer e, por isso, temos de ser responsabilizados pelos erros que cometemos. A desinformação é um desses erros e é um grave exemplo de má práxis.
PS: Um pedido aos órgãos de comunicação social: ajudem a informar, não se prestem a este tipo de espatáculo. Hoje lá aconteceu outra vez na RTP. Sobre este outro caso cito o David Marçal "Um trabalho lamentável da RTP, que procurou fazer uma apologia acrítica da agricultura biológica, aparentemente com base em apenas um estudo (estudos há muitos, ó palerma) e que nem sequer é identificado (é mesmo um estudo sério? que métodos foram usados, onde foi publicado?). O convidado para o comentar é Pedro Lobo do Vale, um dos sócios do Celeiro Dieta. Não podia ser apresentado simplesmente como médico, pois é muito relevante conhecer a sua actividade empresarial para enquadrar a sua opinião (imagine-se que na quadratura do círculo não se sabia que Jorge Coelho era do PS). De resto o conteúdo é tão deprimente e absurdo ("alimentos biológicos podem funcionar como vacinas", dichote que aparece sorrateiramente em rodapé sem mais discussão) que me escuso aqui a comentar.".
2 comentários
jct 03.06.2017
Pois é. A depressão ainda é vista como tristeza ou falta de qualquer coisa (dinheiro, sexo, etc). É uma doença e bem grave. Só mesmo quem passa ( ou estuda ) é que sabe como é. É encarada assim por psicólogos e curandeiros da treta. Pelos médicos -- medicação aleatória. Mal de quem a tem... Só pode pedir mesmo ajuda a deus!