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O debate constitucional do Observador - (i) - O interlocutor e o contexto

O jornal Observador promove um debate sobre uma nova Constituição em Portugal. É algo que não pode deixar ninguém indiferente. De há 200 anos para cá, a Constituição tornou-se o principal instrumento para estruturamos o nosso modo de viver coletivo. Para além de tudo o que lá possa ter, é sempre na Constituição que encontramos a resposta atual à pergunta intemporal: como devemos repartir a nossa liberdade pelos nossos interesses?

 

Para entrarmos neste debate - como em qualquer debate - devemos conhecer o nosso interlocutor. O que é o Observador? Só assim poderemos interpretar adequadamente as suas propostas, dar-lhes profundidade de campo, atribuir-lhes valor na nossa própria escala de valores, criticar, escolher os argumentos que fazem maid sentido.

 

A leitura do estatuto editorial do Observador permite-nos saber que não obstante o jornal não perfilha[r] qualquer programa político [...] tem um olhar sobre o país e sobre o mundo. Esse olhar sem programa não é, contudo, um olhar sem ideologia. Apesar de o Observador não se filiar assumida e explicitamente em nenhuma ideologia, a leitura do remanescente do estatuto editorial aponta muito mais para um jornal de direita do que de esquerda. O que é, evidentemente, uma opção ideológica que condiciona o modo como se trata jornalisticamente a realidade e algo que é relevante para o juízo crítico dos leitores. Acresce que uma rápida análise na estrutura accionista, no elenco dos colunistas e comentadores, e no teor das suas opiniões, reforça a ideia de que não apenas o Observador é um jornal assumidamente de direita - mesmo que formalmente afirme que não - como isso condiciona os seus temas e as opiniões que admite publicar. Fazendo uma rápida análise às iniciativas plurais de confronto de opinião promovidas pelo Observador pode dizer-se que a sua ideia de esquerda acaba mais ou menos na extrema-direita do Partido Socialista. 

 

Este ponto liga-se a um outro, mais genérico, e com uma ligação mais ténue ao Observador, mas que pela sua importância de contextualização faz sentido referir neste primeiro texto da série que dedicarei ao debate constitucional do Observador. Este jornal, como algumas outras instituições da sociedade civil, com o espectro político-ideológico que admite, e sobretudo com aquele que sistematicamente exclui, pretende deslocar o fiel da balança política para a direita. Dir-se-ia, lendo por vezes a opinião do Observador, mesmo quando apresenta vozes da esquerda e da direita, que aplica a Portugal o espectro político dos Estados Unidos da América. Para a esquerda de um certo PS tudo está fora do espectro político-ideológico do que consideram pertencente a um Estado Democrático. O que equivale a excluir mais de um milhão de eleitores, para não falar da redução do pluralismo de expressões que efetivamente existe em Portugal 

 

Tudo isto é legítimo, mas o contexto que desenha perante os interlocutores que queiram entrar no debate proposto pelo Observador é irremediavelemnte influencidado pelo seu ideário e deve ser deixado claro.

Este ideário para além de legítimo é aliás o primeiro ponto que me parece interessante no debate proposto. Ele deve servir de clamoroso grito de alerta para que à esquerda do espectro político que o Observador pretende influenciar (e, porventura, legitimar) surjam respostas à altura quer deste debate constitucional, quer do combate e da influência política que estão em causa. Falta à esquerda portuguesa o seu Guardian e apenas por culpa sua. 

 

Daí que o primeiro aspeto do debate constitucional que me merece atenção é este call to arms que o Observador devia provocar desde que existe e que é agora expresso na sua forma mais eloquente e clara até à data. A esquerda, toda a esquerda, não pode alhear-se da luta política que o Observador e outras instituições estão a travar contra o Estado Social e muitas das instituições que a esquerda democrática construiu em Portugal. Responder com indiferença, com desdém ou mesmo com humor não resolverá nada. É preciso replicar, com inteligência. É preciso oferecer construções alternativas às histórias contadas pelos nossos antagonistas. É preciso, enfim, que exista resposta política à altura das propostas políticas que chegam pela mão do Observador e afiliados. Para que do encontro de ambas se consigam soluções moderadas, aceitáveis e que permitam boas governações. 

 

O segundo aspeto que me parece interessante, e que não apenas é uma demonstraçao do primeiro aspeto que referi como é também uma contradição no coração da iniciativa do Observador, prende-se com a minha preferência para discutir o que chamo o debate constitucional em vez de discutir uma revisão constitucional ou uma Nova Constituição. Este ponto é fundamental e também ele demonstra ao que vem o interlocutor e qual é o nosso contexto. Apesar de apresentar o seu primeiro grande projeto como um debate profundo em torno da lei fundamental do paísapesar de o conjunto de jovens juristas estrangeirados que o jornal convidou para apresentarem um projeto de Constituição (voltaremos a esta questão) entender que não é preciso rever a Constituição, o Observador anuncia desde o início que o debate em torno da lei fundamental é já um debate sobre uma Nova Constituição que o Observador apresentará no final do debate. Ou seja o Observador antecipa a resposta a uma das principais questões que o debate deveria responder: é ou não preciso rever a Constituição? Além de contraditório este aspeto como referi acima é mais um exemplo do interlocutor e do contexto em que nos encontramos se aceitarmos o repto do Observador e pretendermos discutir a Constituição: O Observador parte de uma petição de princípio, sem dúvida alguma alimentada por uma visão ideológica do mundo e, como tal, da Constituição. Essa visão pretende que a Constituição deve ser mudada. Por que razões é o que tentaremos perceber em conjunto ao longo dos textos que aqui irei publicar no Jugular e que, por razões de rigor argumentativo, andarão a par e passo com o textos que estão disponíveis no Observador, para que todos possam formar as suas opiniões, devidamente documentadas.

 

Os dados de partida são estes e são importantes. O Observador é um jornal de direita que pretende uma nova Constituição, consentânea, apurar-se-á, com um conjunto de valores que entende melhores. Eu sou de esquerda, acho que não precisamos de uma Constituição nova e acho que não há urgência em rever a Constituição que temos. Acresce que, havendo revisão da Constituição defenderia alterações distintas daquelas que estão no projeto apadrinhado pelo Observador e com base em premissas e dogmas bem distintos daqueles que enformam os textos que aí estão também apresentados.

 

Aceito por isso o repto deixado à Sociedade Civil pelo Observador e proponho-me a criticar este seu projeto de uma Nova Constituição a partir de uma perspetiva de debate constitucional que deve ser contínuo e plural. Da primeira não precisamos, do segundo estamos muito necessitados.

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