O debate constitucional do Observador - (iii) - O preâmbulo
Sempre que se fala de revisão constitucional vem à baila o Preâmbulo. O Observador destacou-o na segunda de 50 perguntas que dedica ao conhecimento da Constituição (bem fraquinhas na sua maioria até agora) e abriu um espaço de comentário sobre a necessidade da sua alteração.
O preâmbulo da Constituição é um ótimo teste ao nível de conhecimento de direito constitucional dos cidadãos. Talvez a primeira evidência que deva ser pronunciada a este respeito é a de que não há nada de errado com querer-se que os portugueses tenham um nível mínimo de conhecimento sobre a Constituição e as regras que a regem. Por isso, o preâmbulo é um sítio ótimo para começar, explicando que ele não é normativo, não pretende regular a vida de ninguém, não parte parte do pacto que os cidadãos, de modo renovado, aceitam para a sua vida em comunidade.
O preâmbulo limita-se a ser História. Não é coisa pouca, porém. Sabemos qual é o preço de querer alterar ou apagar a História: repeti-la no que tem de pior. Apagar ou alterar o preâmbulo de uma Constituição vigente, por mais alterada que tenha sido ou venha a ser, é uma aberração. Não sendo ele normativo e sendo ele História, ele recorda-nos como nos erguemos, como começámos a caminhar e como mesmo com todas as mudanças que soubemos fazer nos mantemos fiéis a um conjunto de valores. Apesar da ausência de valor normativo do preâmbulo, o seu valor histórico é total. Apagá-lo é algo só imaginável num cenário de mudança radical de Constituição.
No caso da Constituição portuguesa o preâmbulo é, para mais, salomónico: na proclamação de "abrir caminho para uma sociedade socialista" de que as várias revisões constitucionais se desviaram, o preâmbulo recorda-nos a sua não normatividade, a liberdade que a Constituição permite ao legislador ordinário, e recorda à esquerda e à direita que proclamações e medos não sobrevivem a decisões democráticas de (re)orientar a Constituição no sentido em que os eleitores queiram, enquanto se continuarem a rever nos seus princípios fundamentais.
Apagar o preâmbulo seria, isso sim, abrir caminho para nos esquecermos de tudo isto. Um erro terrível, lição fundamental que a História nos ensina.