sejamos sinceros
eu percebo que as pessoas não gostem umas das outras -- oh se percebo -- e que tenham até ferniquoques perante aparições dos objectos do seu desgosto. percebo que se amofine alguém com a estética e ética alheias, que se amarinhem paredes por causa de um par de sapatos ou um corte de cabelo, uma maneira de pontuar ou maiúsculas em profusão. percebo tudo, juro, e até simpatizo, sou muito dada a repulsas desse jaez. percebo pois que a pessoa que escreve o excerto acima se torça toda perante imagens, escritos, voz e até nome da isabel moreira, como eventualmente de outras 'mulheres magricelas' que escrevem 'textos agressivos nos jornais' com 'obsessão da defesa de género' e outras cenas que a pessoa discerne à sua volta e a deixam enervadíssima até à psoríase.
bom.
o que me parece um pouco estranho é que esta pessoa sinta que tem de expressar este incómodo que lhe é tão particular e subjectivo tão publicamente e de forma tão assertivamente odienta. é que, concordo, se o recato não é de direita nem de esquerda -- é de bom gosto, direi eu --, nada nos revela melhor e de forma mais cruel que as obsessões que não conseguimos controlar, as raivas e ódios que nos assolam em ímpetos tresloucados. e tresloucado porquê, perguntar-se-á. por um motivo simples: a pessoa não consegue disfarçar que não é o acto que o deixa desvairado, é a 'im' -- ou, se quisermos ser compreensivos, o 'tipo im'.
repare-se que a pessoa, se receita recato, fá-lo apenas a 'mulheres magricelas'. se a mulher for pulposa ou mesmo badocha já pode, supõe-se, exibir-se em 'poses ousadas na praia' (quer dizer, de bikini, pouca-vergonha) e colocar as fotos no fb para esta pessoa, entre outras, apreciarem. mais: afinal o recato é sobretudo para quem desempenha 'funções de estado que não de somenos'. donde se retirará que, se a mulher, voluptuosa de preferência, não desempenhar funções de estado ou desempenhando-as forem de somenos, já pode ousar o que entender na praia e no fb. é isto, não é?
portanto a questão em apreço parece ser que a pessoa não quer ver mulheres magricelas de bikini na praia, só gorduchas. (eu compreendo; também gostava de só ver pessoas bonitas e inteligentes e com sentido de humor, bom gosto musical e bem vestidas e calçadas -- e todas a acharem-me o máximo, faz favor -- por todo o lado, mas tenho a sorte que se sabe (excepto naquilo de me acharem o máximo, vá lá)). e também acha que pessoas com função de estado, se magricelas, não deviam ir à praia ou ter conta no fb (estou tentada a concordar, quase, derivados, mas no meu caso incluía também os gordinhos e os assim-assim).
a grande diferença entre mim e esta pessoa, no fundo, é que apesar das minhas ilusões de grandeza e pancas variadíssimas consigo perceber que não vale a pena escrever textos a exigir que as pessoas de quem não gosto não sejam magras, não saiam à rua, não usem bikini, não vão à praia, não escrevam nos jornais, não defendam lá o que entendem defender (com limites, claro) e não sejam, se lhes apetece, exibicionistas. nem me passa pela cabeça achar que a defesa da privacidade é um dever. se a pessoa não quiser defender a privacidade dela é problema dela; o que me chateia é que haja quem ache seu dever impedir-me de defender a minha, e em nome da liberdade ainda por cima.
no fundo (e mesmo à superfície) é tudo uma questão de, precisamente, privacidade. se eu fosse a esta pessoa guardar-me-ia de exibir de forma tão despudorada e descontrolada as minhas obsessões, nomeadamente a minha obsessão com a isabel moreira e com o que ela decide ou não tatuar no corpo dela, e em geral o que decide ou não fazer com o corpo e a vida dela. porque isso é a exibição muito pouco recatada de um ímpeto persecutório e de um desejo totalitário (e muito pouco cristão, já agora) de aniquilamento. esta pessoa, na verdade, queria que a isabel desaparecesse do espaço público (se até a tatuagem dela o deixa desvairado -- queria o quê, 'amor de mãe'?), que a isabel não tivesse 'funções de estado', que a isabel não fosse a isabel, que a isabel não existisse.
sejamos sinceros: esta pessoa tem, além de problemas graves com o português e com os conceitos -- 'animosidade de'???, 'uma forma de exibicionismo que precisaria de recato???? --, problemas ainda mais graves com a liberdade, e nomeadamente com a liberdade das mulheres em geral e com a da isabel em particular. o que me parece, devo confessar, todo um programa psicanalítico (psiquiátrico não sei). não vou tão longe que queira que esta pessoa se feche em casa ou num mosteiro e cesse todo o discurso público; mas confesso que preferia, até por ela, que a pessoa guardasse estas ousadias de ódio para si. é que é feio como tudo e quiçá com o andamento pode tornar-se perigoso -- o que não é de direita nem de esquerda, é só mesmo o que é.