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Um belo elogio ao nosso Estado Social e à social democracia portuguesa

À terceira partilha no facebook do artigo de Gabriel Mithá Ribeiro no Observador por amigos meus de direita (perdoem-me esta qualificação subjectiva) percebi que tinha de lê-lo.

 

Ao contrário do Paulo, gostei muito do artigo. Senão vejamos:

 

O artigo é um belo elogio ao nosso Estado Social e à social democracia. Logo no 5.º parágrafo afirma-se que "[n]o quotidiano familiar desde o início ficou subentendido que a sociedade portuguesa abria, sem reservas, as portas das escolas e proporcionava possibilidades de trabalhar onde calhasse". Presumo que as escolas a que se refere o autor são públicas e daí a minha afirmação, claro. Por favor, corrijam-me se estiver errado.

 

O mesmo se diga do 8.º parágrafo onde ficamos a saber em discurso directo que "Fui prosseguindo os estudos até que me vi com um certificado de doutoramento. Como prémio, recebo 1.495 euros de uma bolsa de pós-doutoramento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), pago mensalmente cerca de 500 euros pelo colégio do meu único filho (nisto vivo acima das minhas possibilidades)". Novamente, supõe-se que a prossecução dos estudos foram feitos em estabelecimentos de ensino públicos, pagos pelos contribuintes e geridos pela Administração Pública. O autor confirma-se como um sucesso do sistema público de ensino e isso é de saudar.

 

Já a segunda parte do trecho do 8.º parágrafo que cito supra levanta algumas questões interessantes. Dado o tom confessional adoptado pelo autor seria interessante saber se os 500€ que paga pelo colégio do filho referem-se a uma instituição privada - onde se colocaria a questão de saber por que razão sendo filho do sistema público optou pelo ensino privado para o seu filho - ou se se trata de ensino público ou publicamente subsidiado, como sucede com a generalidade das IPSS - o que mais uma vez seria um bonito elogio ao nosso Estado Social.

 

No final do 8.º parágrafo o autor remata com toda a propriedade: "Sinto-me moralmente obrigado a agradecer aquilo que Portugal permitiu que fosse fazendo por mim mesmo". Já somos dois. E sei que somos muitos mais, milhões mesmo, a avaliar pelas estatísticas do INE sobre frequência do sistema de ensino público, qualificações e afins.

 

É certo que a partir do 8.º parágrafo o texto torna-se confuso, sendo difícil perceber o ponto de Mithá Ribeiro, mas no final do 13.º parágrafo, mantém-se ainda estoicamente a elogiar o Estado Social português e a social democracia que o construiu. Nota o autor: "O facto é que a sociedade portuguesa sempre colocou à disposição deles e minha salas de aula e possibilidades de trabalhar". É evidente que o autor pretendia dizer o Estado Social português no que concerne às salas de aula, mas compreende-se perfeitamente a opção vocabular, sobretudo no contexto, que vimos citando, do seu artigo.

 

É no 14.º parágrafo que Mithá Ribeiro acaba por tomar uma posição clara sobre o Estado Social que tanto o ajudou: "Sendo o estado social decisivo, não se podem confundir funções delimitadas e apoios circunscritos e excecionais com a criação de dependências parasitárias que distorcem por gerações a relação cultural dos indivíduos com o meio envolvente". Não posso estar mais de acordo e não conheço ninguém (nem Mithá Ribeiro o indica) que defenda o contrário. É verdade que alguns parágrafos adiante, mais concretamente, no 21.º parágrafo, o autor indica uma profusão de nomes a quem imputa "discursos sobre a pobreza ou minorias raciais eivados de uma pretensa superioridade moral de ultrapolitizados". Não citando os discursos em concreto, a acusação parece-me gratuita e com a facilidade proporcionada pela internet não seria difícil indicar as fontes do seu descontentamento oferecendo um link para cada um dos discursos proferidos pelas pessoas que refere no citado parágrafo. Mas a opção do autor foi distinta. Parece pretender estabelecer uma correlação entre os referidos discursos "eivados de uma pretensa superioridade moral" e as também já referidas "dependências parasitárias" que devem ser evitadas através de "apoios circunscritos".

 

Uma vez que Mithá Ribeiro não indica que discursos são esses que imputa às pessoas que refere e não crendo ser ónus do leitor ir descobri-los, vou centrar-me, no que é ainda um belo elogio ao Estado Social, no perigo que o autor sobre ele alerta. Gabriel Mithá Ribeiro gosta do Estado Social, deve-lhe muito - quer a sua formação, quer algumas das suas experiências profissionais mais enriquecedoras - e por isso não quer vê-lo destruído por uma retórica que legitima "dependências parasitárias".

 

Está evidentemente por demonstrar algo muito simples: que tal como Mithá Ribeiro é exemplo de um Estado Social de sucesso porque ele próprio - Mithá Ribeiro - soube por carácter e educação aproveitá-lo, também as situações de dependência são um caso de fracasso do Estado Social porque aqueles que se aproveitaram do que lhes foi proporcionado não tinham carácter nem educação. Qualquer sistema público que vise ajudar as pessoas a terem uma vida melhor terá sempre gente a aproveitar-se dele - não apenas na pobreza, como na riqueza, como se pode ver com a interligação entre a dívida privada e a dívida pública - e isso significa que para lutar contra os free riders não precisamos de menos Estado, nem de mais Estado. Precisamos de um Estado que seja mais eficaz a executar as políticas públicas que permitiram a Mithá Ribeiro usufruir de todas as vantagens que usufruiu, sem que outros sem aproveitem delas. É exactamente isso que a social democracia pretende e por isso é que o texto de Gabriel Mithá Ribeiro é tão bonito. Desculpa lá, Paulo, mas não posso concordar contigo.

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