Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

jugular

Uma declaração de voto com 10 anos

Quase a acabar o período de campanha apetece-me resumir as razões do meu SIM.

Como mulher, vou votar SIM porque não quero fazer parte de uma minoria, não quero continuar a sentir-me uma sortuda por, se assim o entender, poder abortar em condições dignas e seguras (clandestinamente, claro!). Quero que todas as mulheres do meu país tenham direito a decidir, de acordo com a sua ética pessoal, prosseguir, ou não, com a SUA gravidez.

Como mãe, vou votar SIM porque não quero que a minha filha herde a actual lei. Não quero que ela seja coagida. Coagida por homens (ou mulheres) a fazer um aborto quando não o quiser, ou coagida por uma lei que a obriga a não fazer um aborto seguro e em segurança quando o quiser.

Como médica, vou votar SIM porque o aborto clandestino e não seguro existe e não posso fechar os olhos a este problema de saúde pública. Honrar a minha profissão é, também, lutar pela erradicação deste problema e isso só é possível despenalizando o aborto. Porque só num quadro de descriminalização posso contribuir eficazmente para que uma mulher decida em consciência e livremente sobre o que fazer perante uma gravidez não desejada. Vou votar SIM porque o aborto clandestino feito em precárias condições de saúde MATA. Porque as mulheres que abortam têm direito a condições de saúde. Porque, como médica, tenho responsabilidades ÉTICAS para com estas mulheres.

Vou votar SIM porque, como diz a OMS, (...) "Os profissionais de saúde podem também optimizar o uso dos cuidados pré-natais, ajudando as mães a prepararem-se para o parto e a maternidade, ou dando-lhes assistência quando vivem num ambiente que não favorece uma gravidez saudável ou feliz. (...) Continua por satisfazer uma grande necessidade de contracepção, assim como de mais e melhor informação e instrução. Existe ainda a necessidade de facilitar o acesso a cuidados pós-aborto, com boa capacidade de resposta e alta qualidade, assim como a serviços seguros de interrupção de gravidez, até ao limite máximo previsto pela lei."

Porque tem sido recorrente o uso de argumentos psiquiátricos por aqueles que pretendem a manutenção da criminalização da IVG, não posso deixar de reafirmar que, enquanto psiquiatra, sempre me bati pela não psiquiatrização da vida quotidiana. E faço-o porque a normalidade é, felizmente, suficientemente lata para comportar um mundo de diferenças e porque quero continuar a poder reagir, adequada e saudavelmente, às coisas que me acontecem: quero continuar a poder ficar triste sem que isso implique um diagnóstico psiquiátrico. Faço-o, também, porque a doença mental é profundamente disruptiva, com consequências para o próprio e para terceiros, pelo que a decisão diagnóstica se deve revestir do maior rigor possível. A doença mental é demasiado dolorosa para ser banalizada. Que fácil é concluir por resultados catastróficos com cenários de depressão incapacitante, toxicodependência e morte a encherem as notícias dos jornais e das televisões. Já morreram mulheres suficientes em Portugal na sequência de abortos não assistidos medicamente e por complicações pós-aborto não seguro. Essas doenças e mortes já são reais. Não é necessário fazer "a futurologia da desgraça, da doença e da morte". É perverso.

A história está cheia de exemplos de como o diagnóstico psiquiátrico foi usado para coarctar liberdades e justificar torturas e abusos de poder. Não será este o quadro em que se inscreve o não respeito pelo direito à escolha das mulheres? Pergunta que se impõe: Terão assim tanto medo da sexualidade feminina? Será ela uma tão grande ameaça ao poder instituído que justifique o mesmo tipo de tratamento? Há poucos dias todos nós fomos confrontados com declarações de algumas mulheres acusadas no julgamento da Maia.... Leram? Percebem agora porque digo, com mágoa e irritação - pouco cientificas é certo - que, a inventar uma doença psiquiátrica, talvez seja menos desonesto chamar-lhe "síndrome pós clandestinidade", "síndrome pós intimidades devassadas pela justiça", "síndrome pós observações ginecológicas forçadas", "síndrome pós aborto clandestino"... E depois de tudo isto ainda me perguntam se concordo com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?!

Claro que SIM! Porque acredito e confio no sentido de responsabilidade das mulheres do meu país, vou votar SIM no dia 11 de Fevereiro.

4 comentários

Comentar post

Arquivo

Isabel Moreira

Ana Vidigal
Irene Pimentel
Miguel Vale de Almeida

Rogério da Costa Pereira

Rui Herbon


Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Comentários recentes

  • f.

    olá. pode usar o endereço fernandacanciodn@gmail.c...

  • Anónimo

    Cara Fernanda Câncio, boa tarde.Poderia ter a gent...

  • Fazem me rir

    So em Portugal para condenarem um artista por uma ...

  • Anónimo

    Gostava que parasses de ter opinião pública porque...

  • Anónimo

    Inadmissível a mensagem do vídeo. Retrocedeu na hi...

Arquivo

  1. 2019
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2018
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2017
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2016
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2015
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2014
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2013
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2012
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2011
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2010
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2009
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2008
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2007
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D

Links

blogs

media