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jugular

Uma questão de tomates

«Jovem lindo e inocente é pervertido por velho lúbrico do mundo do glamour dominado pelos gays e faz justiça, limpando a sociedade e salvando todos os outros jovens lindos e inocentes à mercê de velhos lúbricos». É isto que querem dizer? Então tenham tomates e escrevam-no.

 

(Período de transição: quando os direitos aumentam, aumenta o preconceito reactivo)

Identidade de género

Ratificada em reunião da 1ª Comissão a votação indiciária do texto conjunto produzido pelo Grupo de Trabalho (a que presidi) sobre alteração do nome e sexo. No plenário, a acontecer depois do Orçamento, em fins de novembro ou início de dezembro, PS, BE, PCP e PEV votarão a favor; PSD dá liberdade de voto; CDS vota contra.

O que o Ministro da Presidência disse é inaceitável

As declarações do Ministro da Presidência relevam, no mínimo, da ignorância. Mas resultam - e isso é sempre um máximo intolerável - ofensivas. O “argumento” assenta, ainda, numa falsidade: nunca a separação entre conjugalidade e parentalidade, que esteve na base da exclusão da adopção aquando da questão do casamento, se confundiu com estas barbaridades sobre o desenvolvimento social da criança e a sua inclusão.

Transição permanente

Primeiro ponto:

Falo-vos a partir de um lugar muito específico: sou antropólogo e professor universitário de profissão mas presentemente sou deputado à Assembleia da República. Isto condiciona – e espero que torne mais rico – o meu discurso. Isto porque a prática científica, e para mais nas ciências sociais, é uma prática da crítica e da suspeição; a prática política, e para mais no grupo de apoio ao governo, é uma prática da negociação do possível e do compromisso. Dir-me-ão, e com razão, que a ciência social não é neutra e que age politicamente, quer de forma assumida, quer através da reflexividade das ciências sociais – a sua penetração no senso comum e, sobretudo, nas tomadas de decisão políticas; e que a política não é mera gestão mas algo assente em ideologias e visões do mundo. Acontece, porém, que há um limite na interpenetração destas duas práticas. Ele verifica-se quando as condições objectivas em que as decisões políticas são tomadas não podem levar totalmente em linha de conta os parâmetros analíticos das ciências sociais, sob pena de congelamento da acção. O exemplo sobre o qual já escrevi e em torno do qual já tive de viver uma forte polémica tem a ver com a recente aprovação da igualdade no acesso ao casamento civil. Os sectores mais radicais do movimento LGBT, recorrendo a formulações criadas no âmbito das ciências sociais, nomeadamente a teoria Queer de origem Foucaultiana e pós-moderna, preocupada com a desconstrução das identidades, criticaram a minha posição e a de parte significativa do movimento LGBT, não só por termos aceite a separação entre conjugalidade e parentalidade, na ressalva sobre a adopção, como até por termos feito do casamento o marco simbólico fundamental da nossa luta. Tratou-se de um caso exemplar de como os avanços políticos se fazem pela negociação e pelo compromisso, face a condições objectivas; ou de como um certo “fundamentalismo” teórico vindo das ciências sociais pode conduzir à paralisia política se aplicado a rigor e com intransigência. O dilema nem se deveria colocar se percebêssemos que se trata de planos diferentes do pensamento-acção – um, o científico, constrói-se na ausência das condições concretas, o outro, o político, não pode construir-se enquanto aplicação absoluta de uma Ideia ao Mundo.

Segundo ponto:

O exemplo anterior pode ser levado mais longe ainda. A questão das identidades colectivas é provavelmente um dos assuntos mais debatidos nas ciências sociais, bem como na filosofia política, na ciência política e nas decisões dos estados quanto às políticas relativas aos direitos individuais, de grupo e humanos. É um dado adquirido, nas ciências sociais, que as identidades são processo, são construções, são fluidas e que a sua fixação, quer pelos movimentos sociais quer pelo reconhecimento político é parte de um processo de fixação identitária que constrange e limita a fluidez identitária das pessoas. Sabemos também que, em última instância, os movimentos sociais em torno de identidades marcadas por alguma forma de exclusão, têm como devir o fim das próprias identidades. Exemplificando, o que desejaríamos era que um dia não fizesse sequer sentido falar-se das pessoas enquanto gays ou heterossexuais, negras ou brancas, etc. Mas o que não se pode esquecer neste processo é que não só ainda não chegámos lá como os dois termos destas oposições não são simétricos, mas sim assimétricos, em relações de poder – e há que dar conta e responder a essa situação de menoridade (de “minoria”) social através do reconhecimento da sua existência, através da visibilização, através do provimento legal da sua protecção, concessão de direitos, etc. Em suma, estamos (sempre?) em transição.

Control freaks

O que mais me irrita na política portuguesa e em muitos parlamentares, governantes, etc., sobretudo no que ao campo dos “costumes” diz respeito? Uma cultura política - e não só - que não tem por princípio, a partir do qual se legisle, a autodeterminação das pessoas. Em vez disso, sou sistematicamente confrontado com mentalidades paternalistas (na “melhor” das hipóteses) ou autoritárias (na pior, sem aspas). Como se o estado tutelasse as pessoas, as tivesse de proteger de si próprias, ou soubesse o que é melhor para elas. Uma perigosa mistura de catolicismo tramontano com positivismos dos mais diferentes matizes, da direita à esquerda. Pior ainda é que isso não se manifesta através de uma postura assumida, ideológica no bom sentido. Manifesta-se através duma espécie de atracção ou repulsa “estética” - face ao que surge como “feio” ou “bonito”, percepções subjectivas entendidas como equivalentes de “mau” ou “bom”. Deve também ser por isso que as leis são uma trapalhada, obcecadas com a contemplação de todas as variáveis e hipóteses - desprovidas de um princípio como o da autodeterminação das pessoas, são neuróticas manifestações de controlo.

 

(parido primeiro ("ai que feio") n'Os Tempos Que Correm)

Uma república decente

Há uns meses atrás convidaram-me para escrever um artigo para a revista de bordo da TAP. Era suposto ser sobre o que me atrai em Portugal – obviamente para consumo dos não-portugueses. Não encontro o artigo online mas o argumento era o seguinte: Portugal não tem nada de espectacular do ponto de vista monumental ou de referências culturais; mas também não é uma faixa de gaza (assim, sem maiúsculas); não é um destino d’ A Europa (assim, com maiúsculas), mas também não é um lugar tropical de voos charter diretos para a praia; não tem daquelas gastronomias criadas em grandes côrtes do passado, mas também não se come sempre a mesma coisa básica; a água do mar é fria demais, mas as praias não são cinzentas nem cortam os pés com os corais; and so on. O “ponto”? Portugal é um local intermédio, sem a grandeza (e a vaidoseira) dos grandes centros, e sem as doenças e os perigos de muito sítio periférico. Local de transição e mistura, uma pessoa sente-se aqui um terço na Europa, um terço no Norte de África e outro terço na América do Sul. No bom de cada uma, sem o mau de cada qual. Era um texto meio tolo, a puxar para o divertidóide, para ler up, up and away.

 

Mas outro dia dei por mim a pensar nele. Porque não é assim que a maioria dos meus conterrâneos pensa sobre o burgo. O pessoal é um pouco de extremos nesta matéria: ou se incha com as glórias do passado (descobrimentos e essas coisas assim), ou denigre isto como os cus de judas (e o cheirinho anti-semita não poderia estar ausente). Pensar Portugal como intermédio não ocorre a ninguém, é chocho demais, águas de bacalhau, banho-maria. Ou grandeza ou miséria, prontoS. Dei por mim a pensar nestas coisas em pleno Parlamento e, portanto, em termos mais ou menos políticos (coisa que às vezes acontece ali). Temos uma cultura política que pensa o país exactamente naqueles mesmos termos extremados. Uns pensam num grande passado e não se conformam com a ideia de que tal não se repetirá; outros pensam que com isto não há nada a fazer. O salazarengo, o taxista ou o empreiteiro dominam o nosso pensamento político enquanto colectividade. Quando se projecta o futuro  pensa-se com excessiva grandiosidade e novo-riquismo, em grandes obras e grandes sucessos; ou pensa-se que não há nada a fazer e mais vale cada um tratar da sua vidinha.

 

Acontece que nunca Portugal será o que foi (o que supostamente foi, mas isso é outra H/estória), e nunca Portugal será uma potência – mas isso não quer dizer que seja necessariamente um fracasso. Portugal deveria ser, simplesmente, uma república decente. Tem tudo para isso: ganhou, como dizia um amigo meu, a independência do Brasil (esse sim, será uma potência), livrou-se das colónias (mas ninguém parece meter isso definitivamente na cabeça...), “entrou na Europa” (deliciosa expressão). Tudo isto é bom. É um país pequeno, com apenas 10 milhões de almas (OK, algumas pessoas não terão tal coisa, mas vá). É dos mais pobres entre os mais ricos, dos mais ricos entre os mais pobres. Tem tudo para ser um sítio decente, onde a prioridade seja garantir que esta mão-cheia de gente espalmada à beira-mar seja escolarizada, tenha emprego, tenha segurança social, tenha saúde, seja criativa, seja solidária com o resto do mundo e goze a vida. Caramba, não somos uma Índia com triliões de problemas para resolver. Não se percebe, sinceramente, como construímos tanta desigualdade e como desperdiçámos tantos recursos. Não faço o elogio do “orgulhosamente sós”, da velha direita, nem vivo o sonho da autarcia utópica, da velha esquerda. Mas também não compro os delírios de grandeza – quer os da prisão atávica a uma imagem do passado, sempre cheia de ranço colonial (a panca com a língua e a Lusofonia, por exemplo, é irreal; somos 10 milhões a falar um dialecto exótico e pronto - what’s the big deal?), quer os da emulação (impossível) das potências que passaram a sério pela revolução industrial. Acho mesmo que, no nosso caso, small é beautiful e que há que aproveitar essa circunstância. Há sítios assim, com todas as diferenças entre eles e em diferentes graus relativamente ao seu contexto, dos uruguais às noruegas. Eu só queria um lugar decente. Sem manias, sem complexos, sem uma desigualdade obscena, sem preconceitos nojentos.

 

Ali pelos anos oitenta chegámos a uma situação em que tínhamos todos os trunfos para dar certo, para dar decente: país pequeno, sem colónias, na Europa, com recursos q. b., com democracia – e ainda por cima (OK, vá) com umas praias, uma comida e um clima porreirinhos. Deus deu-nos nozes. Ou estávamos desdentados ou partimos os dentes com a fuçanguice.

A PMA é má

O principal problema com a Lei da PMA é este: «Só as pessoas casadas que não se encontrem separadas judicialmente de pessoas e bens ou separadas de facto ou as que, sendo de sexo diferente, vivam em condições análogas às dos cônjuges há pelo menos dois anos podem recorrer a técnicas de PMA». Isto é sexista e homofóbico (as duas coisas vão muitas vezes juntas…). Coloca as mulheres sob a tutela de um homem nas decisões reprodutivas. Acresce este: «As técnicas de PMA são um método subsidiário, e não alternativo, de procriação (…) A utilização de técnicas de PMA só pode verificar-se mediante diagnóstico de infertilidade (…)». Isto implica uma noção de não-subsidiário e de não-alternativo que é claramente heterossexista e essencialista. As mulheres têm todo o direito de tomar decisões reprodutivas sozinhas. E como seres culturais que somos não dependemos exclusivamente da “natureza” para procriar ou não - há muito tempo que controlamos a fertilidade, por exemplo.  E temos… PMAs, justamente. E os casais de lésbicas têm todo o direito de prosseguir os seus projectos parentais em segurança e boas condições clínicas, sem terem de se submeter à violência de lhes ser dito que recorram a métodos “naturais” - atentatórios da sua identidade e do seu direito à personalidade. Quem defende com unhas e dentes a actual lei refugia-se no facto de esta ser dirigida às questões de infertilidade. Desde logo acontece que uma mulher sozinha, hetero ou lésbica, ou uma lésbica em casal, pode ser infértil. Mas há que pensar também na criação de um banco de gâmetas que permita, tal como em Espanha, o acesso a esperma anónimo para inseminação, para lá dos casos de infertilidade. Curiosamente, o Conselho Nacional da Procriação Medicamente Assistida tem “razão”, razão formal: é ao legislador que compete acabar de vez com este imbróglio da Lei da PMA.

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