Uma listagem da nossas debilidades não é um programa político
A verdade destes senhores começa na despesa pública e acaba nos défices externos. No caminho acenam com o medo do crowding out e com o do estado. A realidade é toda ela um perigo, uma limitação, não se vislumbrando qualquer tipo de oportunidade. Mas é a verdade, dizem-nos, tentando desqualificar quem pensa de modo diferente.
Comecemos pelo crowding out. É ou não verdade que a poupança privada está a aumentar, retraindo o consumo e o investimento, e que só a intervenção activa do estado — enquanto empreendedor e investidor — pode evitar que a crise se agrave? É ou não verdade que a razão principal pela qual os privados não investem se deve mais às baixas perspectivas de receita futura do que a questões de liquidez imediata? É ou não verdade que o endividamento só se resolve diminuindo a despesa (o que aumenta necessariamente a recessão) ou aumentando o crescimento através de investimento? É ou não verdade que, não se vislumbrando grandes iniciativas privadas, torna-se necessário que o estado assuma uma posição de liderança?
Outro dos mitos dos senhores do argumentário da verdade é a diabolização das obras públicas. Esta obsessão, dizem, provocará “debilidades competitivas no tecido produtivo nacional”. Eu gostava de saber o que aconteceria se a viagem entre Lisboa e Porto ainda demorasse 6 horas. Eu gostava de saber o que seria de Portougal sem ligações de qualidade à Europa. Eu gostava de saber o que seria se não investíssemos no porto de águas profundas de Sines. Eu gostava de saber o que aconteceria se o estado não investisse nas renováveis e não apostasse no sector da energia como pilar estratégico da economia nacional. Enfim, eu gostava de saber em que medida existe, neste momento, uma alternativa credível ao investimento público que garanta uma maior competitividade à economia Portuguesa. Num cenário de retracção do investimento privado, pelas razões que enunciei acima, é difícil vislumbrar alternativas. É óbvio que podemos questionar a bondade de certas obras. Mas o debate tem de ser feito tendo em consideração não apenas os méritos individuais de cada obra mas também, e sobretudo, sobre como estas se inserem numa visão estratégica de desenvolvimento do país. Há investimentos que o estado se propõe fazer pela simples razão de que nenhum privado seria capaz de assumir essa responsabilidade. E a razão não radica na ausência de rentabilidade desses investimentos ou na falta de liquidez dos privados. É preciso não desvalorizar a dimensão de bem público e as externalidades associadas a certo tipo de investimentos estruturantes. Muitas vezes, sem o impulso do estado não é expectável que os privados decidam investir. No contexto actual, isto parece ainda mais evidente.
É preciso deixar algo bem claro: combate à crise e a dinamização da economia de um país são um bem público e, por isso mesmo, não podem ser deixados exclusivamente aos privados. As propostas políticas que apostam num Portugal menos periférico, com um mix energético menos poluente, etc, têm de ser criticadas no campo das suas intenções e na visão de futuro que antecipam. Se não quiserem este plano, expliquem-nos a alternativa. A tal Verdade é meramente descritiva e não aponta um caminho. E é redutora, pois depende de uma visão limitada daquilo que são os desafios (e as oportunidades) que Portugal enfrenta. Portugal precisa de uma ideia, de um plano, não de uma listagem das nossas debilidades. Para autoflagelação já temos a religião. Ou, como diz o João Pinto e Castro: "O desenvolvimento, meus amigos, não é o prémio da virtude. Se fosse, o caso resolver-se-ia fazendo penitência"