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jugular

a justiça como esmola aos pobres

(...) tratar o grave caso de autismo dos tribunais portugueses não seria assim tão difícil. Nem sequer caro. No momento em que as decisões passam a ter de estar on line, nos sites dos tribunais, mal são proferidas ou despachadas e no qual a generalidade dos tribunais permite a consulta do nome dos respectivos julgadores na net, que poderá justificar a negação de informação in loco?


Repare-se que não há, na generalidade dos tribunais portugueses (ou em todos?), algo como placards com informação sobre quem são os juízes desta sala de audiências ou daquele juízo (aliás, não há sequer placards com a identificação das salas na generalidade dos tribunais – quem ali se desloque para assistir a uma dada sessão ou testemunhar num caso terá de perguntar aqui e ali até dar com o sítio). Pedir um quadro electrónico, como os dos aeroportos e das estações de transportes, em que se possa ler o nome do processo e do juiz presidente, o tipo de caso (criminal, civil) a hora de começo e prevista hora de fim da sessão talvez seja de mais – para já. Mas que tal dar indicações claras aos funcionários no sentido de identificarem, sempre que tal lhes seja solicitado, os membros do tribunal, e colocar umas placas sobre as respectivas mesas na sala de audiências, com o nome e a função? Algum motivo para que tal se não faça? Algum motivo para que nos sites dos tribunais não haja uma biografia resumida dos juízes e dos procuradores? Algum motivo para que não se nomeie, em cada tribunal, um ou mais magistrados – por exemplo em regime rotativo -- para esclarecer dúvidas da imprensa? Algum motivo para que os titulares dos processos se eximam de convocar todas testemunhas para o mesmo dia quando sabem que seria sempre impossível ouvir todas, e para que tão poucas vezes lhes ocorra – como, com a devida vénia se assinala, ocorreu ao juiz Nuno Melo, do Tribunal da Maia -- que todos os que se deslocam a um tribunal para testemunhar estão em princípio a prestar um serviço cívico que deve ser louvado e portanto encarado com respeito e minimizado sempre que possível nas suas consequências negativas? Algum motivo para que tantos juízes se achem no direito de fazer dos tribunais os seus talk shows privativos, abusando da sua posição dominante para achincalhar arguidos, testemunhas e advogados, não raro com consequências gravíssimas para a prossecução da justiça e sempre com o resultado de diminuir o respeito pela judicatura? E, por fim, algum motivo para que se tenha a noção de que o poder disciplinar sobre os juízes raramente acautela a limpidez da administração da justiça e o direito dos cidadãos, preferindo zelar por interesses corporativos e questiúnculas internas?


Fazer justiça é sobretudo cuidar da justeza de uma decisão face à lei e à ponderação dos factos. Mas é também cuidar de que a justiça seja entendida como justiça. Uma justiça que fala para dentro e só quer falar para dentro, falando, quando fala para fora, do púlpito de uma reivindicada intocabilidade, não pode cumprir o seu mais importante objectivo, o de assegurar à sociedade que as regras que a sociedade fixou para o seu funcionamento efectivamente funcionam. Uma justiça enquistada e defensiva, em guerra com o exterior e só preocupada com o privilégio e a intocabilidade dos que a administram não é decerto justiça, é um sistema que se alimenta e serve a si próprio, tendo perdido de vista a nobreza da sua função. Talvez a velha expressão “pedir justiça”, de tão repetida, tenha feito crer aos juízes e ao sistema judicial que é algo que tem, inerentemente, para dar, como quem dá uma esmola. Altura talvez de mudar a expressão para algo mais consentâneo com uma democracia madura: a justiça é um direito e um dever. Exige-se.

 

(excerto do texto com o mesmo título inserto no livro 'justiça e sociedade', hoje lançado pela associação juízes pela cidadania na livraria almedina oriente, lisboa, às 17 horas)
 

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