não digam ao dr olim
Eram dois camionistas portugueses, bons pais de família e melhores cidadãos, dadores habituais de sangue. Os dois eram amigos e iam sempre juntos dar sangue, munidos do respectivo cartão de dador. Na delegação de Lisboa do Instituto Português de Sangue (IPS), toda a gente os conhecia. Um belo dia, receberam uma notificação para voltar ao IPS, sendo aí informados de que o seu sangue testara positivo para o HIV. Indignados, acusaram os médicos de mentir. Consideravam impossível estarem infectados - apesar de, como se veio a perceber, terem recorrido, os dois, e como de costume, aos serviços da mesma trabalhadora do sexo numa certa berma de estrada. A história, narrada como verídica por um responsável do IPS, terá ocorrido há quatro ou cinco anos. E de uma assentada demonstra que não só é possível ser dador registado sem ter qualquer noção dos comportamentos de risco para a infecção por HIV, como indica que das duas uma: ou os técnicos responsáveis pelas entrevistas a estes dadores não lhes faziam as perguntas mandatórias sobre as circunstâncias que podiam impedi-los de dar sangue (e que incluem a prática de relações sexuais não protegidas com parceiros não habituais e o recurso a sexo pago) ou os dadores mentiam nas respostas.Claro que, tendo em conta as declarações recentes do actual presidente do IPS, Gabriel Olim (nomeadamente a sua já antológica entrevista de ontem aojornal i, na qual reitera os motivos da exclusão dos homossexuais masculinos da dádiva de sangue), se os dadores em causa se definissem como homossexuais seriam de imediato excluídos da doação(porque, diz Olim, estes "têm múltiplos parceiros, e praticam sexo oral e anal"); mas, sendo heterossexuais prolixos e consumidores de serviços sexuais, viram o seu sangue recolhido. Na verdade, seguindo os argumentos que Olim apresenta como científicos/técnicos e ainda por cima "quase" universais (ignorando assim que não existe apenas, como assevera, um país na Europa - a Itália - a aceitar homossexuais masculinos como dadores, mas pelo menos mais dois, a França e a Espanha), e que se prendem com uma maior prevalência do HIV na população de homossexuais masculinos em relação à população geral, também os camionistas, tendo em conta a evidência apresentada e o respectivo "perfil comportamental", deveriam, talvez, "por precaução", ser impedidos de doar. Claro, dir-se-á, que isso seria inaceitavelmente discriminatório: nem todos os camionistas andam a frequentar sexo de beira de estrada, e o que deve contar é o que se faz - os comportamentos - e não quem se é. Isso mesmo, afinal, dizem as regras de admissão de dadores francesas e espanholas, excluindo quem tenha tido relações sexuais não protegidas com parceiro não habitual nos últimos quatro meses (França) e no último ano (Espanha).Seja homossexual, heterossexual ou camionista. Mas não digam nada ao Dr. Olim.