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Quando escrevi "relação de expropriação entre capital e trabalho" limitei-me a constatar algo óbvio: para Marx, o capitalista só pode acumular riqueza porque aqueles que trabalham para ele recebem menos do que aquilo que produzem. Ou seja, existe expropriação porque Marx entende que só o trabalho é produtivo, não o capital. O Nuno pode estar descansado que eu não pretendi introduzir um novo conceito, nem confundi relações de produção, forças de produção e relações de expropriação; limitei-me a dizer que a relação de produção entre trabalho e capital, no capitalismo, favorece o capital à custa do empobrecimento do trabalho. É tudo. Mas o capital não é apenas algo negativo, um mal. (Como estamos em campanha, espero que o Nuno me permita simplificar a coisa). O Capital, na sua relação com o trabalho, também é produtivo, pois permite, por exemplo, o desenvolvimento da consciência de classe, isto é, sem expropriação o proletariado não se reconheceria enquanto tal, nem poderia desempenhar o papel revolucionário que o Marxismo entende ser a sua vocação histórica. Sem este "reconhecimento", sem uma experiência social que permita o desenvolvimento de uma consciência de classe, não seria possível desenvolver as condições que permitem a superação do capitalismo.
A crítica de Marx ao Capitalismo não é uma crítica abstracta, pois este não é rejeitado nem diabolizado; o capitalismo, apesar de todas suas contradições, é necessário, pois é ele que cria as condições para a sua própria superação: aquilo que constitui o sucesso do capitalismo é simultaneamente a causa da sua destruição. O Marxismo é uma escatologia revolucionária que depende de uma circularidade histórica que só pode ser entendida à luz da filosofia dialéctica Hegeliana: alienação fundadora e regresso dessa mesma alienação, através de uma apropriação histórica de uma essência alienada. Para Marx o Capitalismo não é errado, é o erro através do qual a verdade histórica do comunismo pode aparecer — primeiro para Marx, o teórico, depois para o proletariado. Não há luz (comunismo) sem trevas (a história da alienação anterior ao comunismo).
Escrevi que "o conceito de luta de classes pressupõe a validade de um conjunto de conceitos e afirmações — relação de expropriação entre capital e trabalho, taxa decrescente do lucro, empobrecimento do proletariado, etc. — e culmina necessariamente na revolução e na abolição da propriedade privada, isto é, pressupõe que o materialismo dialéctico". O Nuno diz que esta passagem não faz sentido. Vou reformular. Todos os conceitos Marxistas — Capitalismo, alienação, relações de produção, forças de produção, capital, trabalho, emancipação, capitalismo, etc — só fazem sentido na constelação de significados avançados por Marx, isto é, os conceitos Marxistas são interdependentes e não existem independentemente da filosofia de Marx. O Marxismo, e os seus conceitos, constituem uma totalidade que pressupõe uma certa filosofia da história — o trabalho, o capital, etc não são realidades em si, a sua verdade depende de toda a artilharia conceptual que Marx, inspirado, por exemplo, em autores como Hegel, articulou.
O Nuno é profundamente anti-marxista porque tem uma leitura selectiva da história — só regista a falência do neoliberalismo e ignora que o socialismo real foi uma tragédia — e não percebe que não se pode manter o conceito de "luta de classes" sem evocar todos os outros. Se a interpretação Marxista da história já não é válida, os conceitos que Marx usou para interpretar a história têm de mudar, isto é, os conceitos são eles mesmos históricos, não são um método a priori, válido para todo o sempre. Dizer que existem classes não é o mesmo que olhar para o mundo e ver que há ricos e pobres, nem é o mesmo que constatar que há desigualdades inaceitáveis. Classe, no sentido Marxista do termo, não é um termo descritivo; é um conceito normativo que, mais uma vez, so faz sentido no contexto de toda a filosofia Marxista e, sobretudo, no contexto de uma interpretação revolucionária da história. Quando disse que a luta de classes não existe, limitei-me a dizer algo que pensava óbvio: qualquer Marxismo, hoje, tem de incorporar a experiência histórica do último século, isto é, tem de mostrar que aprendeu com os seus erros e, por isso, não se pode limitar a criticar o neoliberalismo. Apenas isto.