a democracia desprezada
Factos: a 18 de Agosto, o Público lançou em manchete uma "notícia" sobre a "suspeita" de que a Presidência estaria ser vigiada/escutada pelo Governo. A "notícia", toda baseada nas afirmações de uma fonte anónima "da Casa Civil", nada apresentava como evidência das "vigilâncias" e não continha sequer contraditório - nomeadamente o dos "acusados", PS e Governo - prosseguindo no dia seguinte com a descrição de como um adjunto do PM teria, na viagem presidencial à Madeira em 2008, "espiado" o pessoal da presidência sentando-se em mesas "para onde não tinha sido convidado" e crimes da mesma estirpe. As duas "notícias" do Público foram reproduzidas em todos os media sem desconstrução (no peculiar mecanismo de câmara de eco do sistema mediático), sob o silêncio esmagador da Presidência. A 9 deste mês, durante a entrevista "íntima" que deu à SIC, Louçã acusou Fernando Lima, assessor de Cavaco para a comunicação, de ser a fonte das "notícias". A SIC ignorou, no noticiário, a existência de tais declarações e todos os media, à excepção do DN, que pegou no assunto dois dias depois, fizeram o mesmo. A 13 de Setembro, porém, surgia a primeira coluna do Provedor do Leitor do Público sobre o assunto. Nesta, Joaquim Vieira afirmava ter investigado o caso e concluía não só pela inexistência de contraditório e consubstanciação nas "notícias" como revelava que estas tinham surgido a partir de uma única fonte em Belém, através de um contacto mais de um ano antes; que a única investigação efectuada no caso, pelo correspondente na Madeira Tolentino de Nóbrega e que infirmava a tese das vigilâncias, tinha sido ignorada; que apesar de a "denúncia" ter mais de um ano, o único "espião" citado, o tal adjunto do PM, não tinha sido ouvido pelo jornal. Vieira anunciava voltar ao assunto na semana seguinte, mas o que dizia era já muitíssimo grave: "Salvo melhor prova, tudo não passa de um indício, sim, mas de paranóia, oriunda do Palácio de Belém. Só que tal manifestação é em si já notícia, porque revela a intenção deliberada de alguém próximo do PR de minar a relação institucional (ou a "cooperação estratégica") com o governo." Apesar da gravidade inusitada destas acusações, voltou a reinar nos media o silêncio sobre a matéria. Até sexta-feira passada, quando o DN publicou a evidência daquilo que Vieira denunciara, com o nome da fonte: Fernando Lima. Só perante essa prova inquestionável se espalhou a coragem para dizer o óbvio: que é inaceitável um jornal fazer o que o Público fez e que ainda o é mais que o Presidente da República o tenha permitido. Como se existisse um temor reverencial por tudo o que emana ou parece emanar da Presidência, um temor que impede de dizer o que está a nu. E um temor não menos brutal de ser suspeito de "defender" o Governo. Ora isto não é asfixia, é anóxia, e não é pequena ou média, é enorme e nada tem de democrática. Que haja quem, perante isto, tenha a suprema desvergonha de querer virar o bico ao prego e acusar as vítimas e os que denunciaram a tramóia é apenas, infelizmente, expectável. Sabemos o que sucedeu, sabemos quem despreza a democracia. Saibamos desprezá-los na exacta medida do seu desprezo por nós.