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Saramago e o «abuso» ateu

Tenho-me divertido a apreciar a dualidade de critérios dos que denunciam estridente e histericamente as últimas «heresias» de Saramago. São especialmente divertidas as reacções de membros de um sector que tanto e tão alto se insurgiu com a suposta asfixia democrática que, segundo eles, «silenciou» um ror de pessoas. Esquecidos das ululações de há dias, agora querem calar Saramago ou pelo menos que este não «envergonhe» os portugueses - ou seja, que renuncie à nacionalidade.

 

Saramago não disse nada que aqueles que leêm o Antigo Testamento sem os óculos-cor-de-rosa da fé não pensem. Simplesmente não o debitam  para não enfurecer ainda mais os crentes que, num paradoxo que sempre me intrigou, normalmente têm uma pele muito fina no que respeita a supostos insultos - e alguém afirmar-se ateu é normalmente considerado um insulto inadmíssivel-  mas exibem uma casca bem grossa nos mimos que destinam aos não crentes.

 

Reportando-me aos últimos dias apenas, poderia, por exemplo,  falar dos ataques desferidos contra a página da associação ateísta australiana e da convenção global ateísta, à qual o governo australiano, tão pródigo no caso de iniciativas cristãs, não se dignou conceder qualquer apoio, embora os ateus constituam cerca de 30% da população deste país. Ou no divertimento que tem sido acompanhar o frenesim dos crentes no Twitter por o tema «No God»,  ironicamente lançado por um prelado que queria enfatizar a violência inerente aos incréus, se ter transformado num trending topic.

 

Mas gostaria de me focar em algo que preocupa todas as associações humanistas europeias, incluindo a lusa ARL, Associação República e Laicidade, e, por outros motivos, outros grupos de cidadãos europeus. Estou a falar do lobby que pretende ver Tony Blair como presidente do Conselho Europeu - depois de a República Checa cumprir a promessa e assinar o tratado de Lisboa.

 

Como refere a documentação reunida pelos humanistas europeus, Tony Blair tem deixado claro que considera as mundividências não religiosas como inferiores às religiosas.
O mês passado, afirmou que a ausência de religião até pode ser perigosa: «os assuntos humanos, e o processo humano de raciocínio, estão sempre limitados, a menos que sejam impregnados de fé. Por vezes até podem ser perigosos ».

 

Mais recentemente, num discurso na Universidade de Georgetown (Washington), comparou os que «desdenham de Deus» aos que «que fazem a violência em nome de Deus», e aludiu a um «agressivo ataque laico». Em Agosto, aludira igualmente ao «laicismo agressivo» num discurso em Itália, e frisara as palavras do Papa sobre um «humanismo esvaziado de fé» ser um «humanismo desumano».

 

Estou certa que os crentes vão ulular muito estridentemente a «intolerância» manifesta na posição das associações humanistas, assim como ulularam há 5 anos «perseguição» laica a Rocco Buttiglione. Por outras palavras, todo o mundo (crente) parece considerar normal que Blair pense e diga dos ateus o que Maomé não disse do toucinho e considera um ataque à religião que haja quem não o queira ver em posições em que possa actuar em conformidade. 

 

Por outro lado, embora algumas vozes ateias se tenham apressado a condenar Saramago - que não «insultou» pessoas mas... um livro!!! -, nunca, mas mesmo nunca, vi alguém das hostes crentes condenar as inúmeras e constantes depreciações agora não de livros mas de pessoas, os ateus, algumas bem piores que as do ilustre fundador da Tony Blair Faith Foundation que, em muitas das enormidades que debita, se limita a parafrasear o Papa. Aliás, seria fastidioso procurar nas nossas caixas de comentários exactamente o contrário, isto é, as centenas de rasgares de vestes e acusações sortidas que merecem aos crentes os posts em que se criticam os dislates da fé.

 

Parece assim que demasiados consideram que a liberdade de expressão e de crítica está reservada a uns eleitos, crentes obviamente, e que é um inadmíssivel abuso ateu os não crentes abrirem a boca para dizerem o que lhes passa pela cabeça. Mesmo quando os não crentes já atingiram uma idade em que se estão profundamente nas tintas para as reacções que sabem que o que lhes vai na cabeça irá provocar.

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