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Ops, esqueci: parabéns Terra; parabéns Monty Python!

No meio desta excitação toda sobre as interpretações alegóricas de um livro de narrativas mitológicas, esqueci de parabenizar a Terra que, de acordo com os muitos milhões que pelo mundo todo se insurgem com estas tresleituras blasfemas e acreditam piamente na literalidade da Bíblia, fez ontem  exactamente 6012 anos!

 

De facto, há quem considere como o maior livro de história  alguma vez escrito e por isso preferido pelos «que levam a História antiga a sério», outro calhamaço de mais de 1600 páginas, «Os Anais do Mundo» subintitulado «A Origem do Tempo, e a Continuação para o Início do Reino do Imperador Vespasiano e a Destruição e Abolição Total do Templo e da Comunidade dos Judeus». James Ussher, o arcebispo de Armagh que teve um papel importante nos violentos conflitos entre anglicanos e presbiterianos na Inglaterra do século dezassete, foi o autor da obra, publicada em latim em 1650 e traduzida para inglês em 1658.

No livro, louvado como um relato fiel e fidedigno da «história do Mundo desde o jardim do Éden até à queda de Jerusalém», Ussher dedica-se à cronologia bíblica, «calculando» que a criação aconteceu no domingo 23 de Outubro 4004 a.C - e a expulsão do tal Éden menos de um mês depois, a 10 de Novembro.

Andrew Dickson White diz-nos na sua «História da Guerra da Ciência com a Teologia na Cristandade» que o trabalho de Ussher não era original. De facto, John Lightfoot, Vice-Chancellor da Universidade de Cambridge, declarou, após estudo exaustivo das escrituras, que «céu e terra, centro e circunferência, foram criados conjuntamente, no mesmo instante, e nuvens cheias de água» e que «este trabalho teve lugar e o Homem foi criado pela trindade no dia 23 de Outubro, 4004 b.C., às nove horas da manhã». Lightfoot publicou os seus cálculos em 1644, seis anos antes dos Anais verem a luz do prelo.

Há um artigo muito interessante sobre o tema, publicado em 1996 na revista Archaeology in Oceania. No artigo «From Ussher to Slusher, from Archbish to Gish: or, not in a million years...», Colin Graves disseca os disparates criacionistas

«A constituição pressupõe democracia, laicidade e pluralismo, os criacionistas exigem uma teocracia. O público em geral tende a não perceber porque tudo isto é errado; apesar da maioria dos fundamentalistas ser imune à racionalidade, os estudantes na sua maioria não o são, e nós esperamos dotá-los de conhecimento suficiente para evitar que caiam nas fantasias criacionistas. Os cientistas, mas especialmente arqueólogos, estão na linha da frente; nós, não os artistas ou políticos, temos as munições para parar a maré do lixo criacionista, e relegá-lo ao Monty Python's Flying Circus a que pertence».

 

O que me recorda coisas realmente sérias e importantes: já que estamos em maré de parabenizações aniversariantes, há 40 anos e mais 20 dias a BBC transmitiu o primeiro episódio do circo mais famoso do mundo. Parabéns Monty Python, o nonsense delirante que inauguraram tem seguidores inesperados, pelo menos cá no burgo, como indica o destaque mediático que estas histórias bíblicas mereceram nos últimos tempos.

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