Guerras do dia das Bruxas
Num dos posts sobre a controvérsia Saramago que a Fernanda tão bem resumiu, uma das nossas leitoras interpelava-me sobre «a lógica de celebrar datas cujo fundo seja, mais ou menos veladamente, religioso», pensando, erradamente, que a maioria das celebrações de solstícios, equinócios, colheitas, etc., que se celebram um pouco por todo o mundo são propriedade da Igreja.
O último número do l'Osservatore Romano, o jornal oficial do Vaticano, talvez seja a melhor ilustração de que isso não é verdade, ou seja, de que boa parte das festas inscritas no calendário «santo» não passam, como inúmeras outras coisas, de apropriação pela igreja de celebrações muito anteriores, fortemente enraizadas nas tradições populares e difíceis de erradicar.
De facto, a crescente popularidade do dia das bruxas em Itália assusta a Igreja que tem medo de perder a exclusividade do calendário festivo, que tanto trabalho deu a estabelecer. Aliás, já Bento XVI tinha denunciado os horrores seculares da passagem de ano, mais uns execrados «ritos mundanos, marcados principalmente pela diversão» não inscritos no calendário sacro e, como tal, a converter ou eliminar.
Assim, depois de durante anos a sua divisão anti-oculto (?) ter alertado em vão contra os perigos da celebração profana e de ter falhado o boicote à «perigosa celebração do horror e do macabro» a que apelou no Avvenire, o Vaticano volta à carga no «Halloween's Dangerous Messages». O artigo, assente numa linha recorrente - tudo o que não é católico é necessariamente anti-católico -, descreve o Halloween como uma festa «absolutamente anticristã» e propõe como alternativa as Holywins já cristamente celebradas por outras paragens. Mas não acredito que desta vez, por falta de instrumentos apropriados, sei lá, a Inquisição e quejandos, a Igreja consiga reinvidicar como suas festas alheias.
Embora estas denúnicas vaticânicas de uma festa que escapa ao seu controle sejam absolutamente ridículas, empalidecem face a outros desvarios cristãos sobre o Halloween. Tendo-me dedicado por várias vezes à extenuante tarefa de esvaziar abóboras de dimensões que deviam ser proibidas e preparar saquinhos com treats sortidos para os tricksters que nos batiam à porta, fiquei de queixo caído por nunca ter dado pela conspiração demoníaca da coisa que para alguns alucinados envolve actividades tão improváveis como sexo com demónios e necromancia. Mas o que me maçou mesmo foi não ter participado nas tais «revel nights» que, pelo enquadramento, deveriam ser de arromba!