Desculpem lá começar com um tema tão jurídico, mas o caso Freeport (e os Governos de Gestão) volta e meia vem ao de cima e eu ando engasgada para escrever isto
Umas das várias confusões que têm vindo a público a propósito do licenciamento do Freeport faz lembrar o dito popular segundo o qual uma não verdade dita muitas vezes passa a ser verdade. É que já passou nos meios de comunicação, desde logo em debates de televisão, que, independentemente do que está nas mãos da justiça, há aqui uma questão política que é o ter-se aprovado um conjunto de medidas que a Constituição (CRP) não permitiria a um Governo já demitido, uma vez que a um Governo de gestão só seriam autorizados actos de gestão corrente.
Não é verdade. Não é verdade. Não é verdade.
A famosa fórmula do artigo 186º, nº 5, da CRP, segundo a qual os Governos de gestão limitam-se à prática de actos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos é bastante vaga, e ao contrário do que alguns propõem, não deve ser o legislador a fazer uma listinha - impraticável - com os actos administrativos e legislativos que um Governo de gestão pode ou não aprovar. Como em todos os casos de fórmulas constitucionais abertas, a tarefa de densificação do preceito só pode caber ao Tribunal Constitucional (TC).
Ora, em Janeiro de 2002, em pleno Governo de gestão de que era Ministro do Ambiente o actual Primeiro-Ministro, foi aprovado um Decreto-Lei que alterava radicalmente a forma de designação dos órgãos de direcção técnica dos estabelecimentos hospitalares. O PR, Jorge Sampaio, suscitou a fiscalização preventiva do decreto, a qual deu origem ao Acórdão do TC nº 65/02, que não se pronuncia pela insconstitucinalidade daquele diploma e de cuja leitura decorre, por maioria de razão, que o licenciamento do empreendimento Freeport em nada viola os limites constitucionais dos Governos de gestão. É ir ler.
Finalmente, se os poderes do Governo de gestão não são os que têm vindo a público, os da oposição não estão certamente diminuídos. Nada impede que esta, se entende que um processo administrativo é estranhamente urgente, faça uso dos poderes que o artigo 156º da CRP confere aos Deputados, como o de "requerer e obter do Governo ou dos órgãos de qualquer entidade pública os elementos, informações e publicações oficiais que considerem úteis para o exercício do seu mandato (alínea f)".