Do irrealismo
No Prós-e-Contras de hoje, José Manuel Pureza disse discordar da estratégia de crescimento económico defendida por Pedro Silva Pereira e Basílio Horta. Para o líder do grupo parlamentar do Bloco o caminho é outro: mais do que criar as condições para reduzir a dependência de energia importada; mais do que minimizar os custos associados à situação periférica de Portugal; mais do que aumentar as qualificações dos nossos trabalhadores; mais do que modernizar o nosso tecido produtivo, o importante é redistribuir a riqueza gerada. Para aumentar o PIB e combater o desemprego, o Bloco propõe que se investa na reabilitação urbana. Só este tipo de investimento tem impacto no imediato, diz o Bloco. O que o PS propõe demora tempo, e, por isso, não serve. O bloco defende um voluntarismo sem princípio da realidade: se existe um problema, o Bloco acha que tem de haver uma solução — imediata, entenda-se.
José Manuel Pureza acha que todos nossos desequilibrios estruturais se resolvem através de um simples choque da procura interna — e acha que a coisa se podia fazer de forma instantânea. Competitividade é sermos como os lá de fora: ter cidades arranjadinhas e ter salários, pensões e prestações sociais iguais aos da Suécia — e tudo isto depende, simples e exclusivamente, da existência de vontade política. A coisa só ainda não se resolveu porque o PS pratica uma política de direita e não é suficientemente sensível aos problemas da pobreza e das desigualdades. Se criássemos os imposto sobre as grandes fortunas; se aumentássemos a progressividade do IRS; se forçássemos os bancos a pagar uma taxa efectiva de IRC mais elevada; se abolíssemos os offshores; se aumentassemos os salários, as pensões e o subsídio de desemprego; se proibíssemos os recibos verdes, Portugal seria um país justo e próspero. A receita parece simples. Se há pessoas que acham que o país não cresce porque temos tido governos estúpidos — o que Medina Carreira diz pode ser entendido deste modo —, o Bloco diz que falta sensibilidade social.
Se excluirmos as nacionalizações, o imposto sobre as grandes fortunas e o fim dos offshores (por não ser possível Portugal fazê-lo unilateralmente, não por não achar que os offshores são um problema), tendo a concordar com a agenda redistributiva do Bloco — e não me parece que estas propostas andem assim tão longe das preocupações do PS; pode haver uma diferença de grau, mas a coisa fica mais ou menos por aí. O problema é que José Manuel Pureza confunde redistribuição e justiça com crescimento económico, e acha que a pobreza e os desequilibrios do país se resolvem "taxando os ricos". Aumentar a justiça e a equidade social é certamente uma agenda importante — o PS fez esforços importantes nesta área, mas pode ser ainda mais ambicioso —, mas, e apesar do que diz o Bloco (e o PC), não é apenas por aí que resolvemos os problemas do país. Redistribuir é necessário, mas não é suficiente.
É sobretudo o populismo, assente num discurso anti iniciativa-privada, que priva o Bloco de uma estratégia de crescimento económico sustentável. A reabilitação urbana — que, diga-se, também consta do programa do PS — é importante, mas é absolutamente irrealista considerar que esta medida, por si só, garante o crescimento económico de que Portugal desesperadamente necessita. O problema da estratégia do Bloco não é só a tendência para diabolizar a iniciativa privada; o problema é que o Bloco fala de Portugal como se o mundo e as pressões associadas à globalização não existissem. Só assim se entende que confunda competitividade com justiça e inverta a relação de causalidade entre, por exemplo, salários e riqueza. Não digo, como alguns à direita, que só podemos redistribuir depois de crescer, mas parece-me evidente que nao podemos implementar uma agenda redistributiva sem atender também ao problema do crescimento da economia.Se para os liberais crescimento é justiça, para o Bloco a coisa inverte-se — uns e outros partilham de uma visão simplista e redutora da dos problemas estruturais da economia portuguesa, refugiando-se em chavões ideológicos sem atender àquilo a que se convencionou chamar realidade.
O bloco desvaloriza o duplo compromisso — competitividade e solidariedade —, pois o combate à pobreza e ao desemprego surgem como independentes do processo de transformação e requalificação da economia, ou melhor, para o Bloco, requalificar é equivalente a redistribuir. Posso estar a ser injusto, mas, por exemplo, não me parece que as propostas do Bloco incluam uma única medida aponte para uma maior competitividade dos nossos bens transacionáveis, e sem esta torna-se difícil de entender como podemos corrigir parte dos nossos desequlibrios e garantir a sustentabilidade da economia portuguesa (leia-se: sustentar o modo de vida que entendemos dever ser o nosso) Se é certo que os baixos salários são um problema, não me parece que aumentá-los constitua uma solução. O nosso atraso não se elimina por decreto. Dizer que Portugal é pobre porque redistribui mal mostra como a verdadeira esquerda que o Bloco diz representar é, verdadeira ou não, uma esquerda incapaz de lidar com a realidade. Para começar, era bom que o Bloco abandonasse a tese de que a única razão pela qual os nossos salários são baixos é porque ainda ninguém se lembrou de os aumentar. Não é tudo, mas seria um bom começo.