Se Aguiar Branco fosse PM daria o exemplo de um auto-PIDE
Aguiar Branco tem um ar simpático, calmo, ponderado. Aguiar Branco passa genuinamente a imagem de quem não diz nada que resvale para fora das fronteiras do politica e democraticamente aceitável. Por isso mesmo, quando afirma, com a sua postura de pessoa amiga das liberdades, que se fosse Primeiro-Ministro divulgaria as escutas que estiveram na base de uma decisão do Procurador-Geral da República e do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o que contribuiria, pensa, para a dignificação da função de PM, alguém menos atento pode não dar pela facada mortal que estas palavras irresponsáveis significam numa conquista essencial do Estado de direito que é a reserva da intimidade da vida privada, protegida constitucionalmente.
Na verdade, para além de ficar por saber como é que Aguiar Branco divulgaria as escutas, o que sendo demagógico talvez seja o menos interessante na ofensiva, passa-lhe completamente ao lado que a reserva da vida privada deve ser especialmente protegida exactamente quando, não havendo decisão judicial em contrário, outros actores - jornalistas, inimigos, opositores, etc. - disparam em argumentação juridicamente infundada para tentar chegar à reserva da vida privada do visado por outras vias, como é aqui exemplo a via da chantagem moral.
Ora, não cola. No caso, não há "níveis" de reserva de vida privada. O PM fala ao telefone com quem quer e se fortuitamente conversas suas são gravadas e não há interesse jurídico nas mesmas, por mais que a oposição, jornalistas e 300 Aguiares Brancos especulem à margem da separação de poderes sobre o teor das ditas conversas privadas do cidadão e PM José Sócrates, este, se renunciasse, como pretende Aguiar Branco, ao seu direito fundamental e pedisse - coisa gira - ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça para divulgar a sua intimidade, estaria a ceder em duas dimensões totalitárias: na primeira, a sua própria reserva da vida privada ficaria reduzida a um brinquedo feito de plasticina à mercê das vontades não dos tribunais mas dos Aguiares Brancos desta vida; na segunda, a de todos nós, que saberíamos pelo PM quanto vale e para que vale afinal ter um sistema de direitos, liberdades e garantias, especilmente protegido, no caso esta coisa insignificante que é a reserva da vida privada.
Comecem a dar-lhe facadas, comecem. Uma, duas, três. Acham mesmo que é só o PM que sai prejudicado?