Almofadas de penas*
Imaginem-se, num dia de rigorosa invernia, a esfaquear uma almofada de penas no cimo de uma montanha. Agora imaginem-se – arrependidos do vosso acto – a voltar no dia seguinte para tentar recolher todas as penas aventadas, de forma a recompor a almofada. Imaginem a remissão impossível. Agora imaginem que as penas da almofada – todas e cada uma – acolhem um boato, uma bisbilhotice, um diz-que-diz, uma escuta mal-parida, uma fotocopiadora forense com vontade própria. Isto imaginado, de faca na mão, e sabendo que a almofada é o encosto do país – do vosso –, ou o travesseiro de um qualquer desafortunado – vocês, por exemplo –, confessem o fácil (e fortuito) que é esfaquear uma almofada de penas no cimo de uma montanha ventosa. E imaginem também que a faca não está na vossa mão e que o recosto é (era) o vosso.
* adaptação (excessivamente) livre de uma confissão fictícia em Doubt, filme protagonizado por Meryl Streep e Philip Seymour Hoffman