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o 1º dia do resto da luta

Lutar contra a discriminação é uma tarefa para todos os dias, todos os gestos, todas as palavras, todos os pensamentos. Nunca acaba. Nunca acaba e certamente não se restringe a matérias legais ou jurídicas. Remover as barreiras jurídicas ao acesso de casais do mesmo sexo ao casamento, isso que a proposta de lei do Governo faz, é pois apenas um momento. Um momento muito importante, fundamental, mas não o fim da luta.

 

É um momento como o foi o fim da criminalização da homossexualidade, em 1982; o da remoção da homossexualidade da lista oficial das deficiências, em 1999; o da aprovação da lei das uniões de facto que trata por igual casais homossexuais e heterossexuais, em 2001 (com uma excepção, a da adopção); o da inclusão, em 2004, da orientação sexual no artigo 13.º da Constituição (que elenca as discriminações interditas); o do fim do crime "acto homossexual com adolescentes" e da inclusão dos casais de pessoas do mesmo sexo na definição do conceito de violência doméstica no Código Penal de 2007.

 

Todos estes momentos foram importantes; nenhum é só por si um fim. Como o não é o casamento de pessoas do mesmo sexo, a ser aprovado no parlamento com os votos favoráveis de PS, PCP, BE e Verdes, partidos que assumiram esse compromisso antes das legislativas. Há quem, talvez na ânsia de declarar o fim da luta contra a homofobia na lei, proteste contra o facto de os partidos não quererem avançar, já, com a discussão da adopção (nenhum o faz: os projectos do BE e dos Verdes não mencionam a adopção, o Governo afasta-a), alegando que é contraditório não incluir a adopção no casamento de pessoas do mesmo sexo. Erro: associar casamento e parentalidade faz parte de uma concepção de casamento que o Código Civil em parte ainda enforma e que se pretende agora rectificar. Afinal, é essa associação que fazem aqueles que pretendem negar o casamento aos casais do mesmo sexo ao dizer que "o casamento visa a procriação".

 

Mas há contradição, de facto. Não com a alteração que se pretende aprovar mas com o ordenamento jurídico já existente - contradição de que padecem também a cláusula da lei das uniões de facto que especifica ser o acesso à possibilidade de adopção só para casais de sexo diferente e a lei da procriação assistida, que só a permite a casais hetero. E porquê? Porque a lei portuguesa permite a adopção individual e nos critérios para a entrega de uma criança ao cuidado e amor de alguém não figura - nem poderia figurar, como garante a Constituição no artigo 13.º e reitera uma decisão de Janeiro de 2008 do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos ao condenar a França por inviabilizar a candidatura de uma lésbica à adopção - a orientação sexual. É pois atrozmente ridícula, para dizer o mínimo, a histeria alimentada por alguns sectores da sociedade portuguesa em relação à adopção por homossexuais e à sua alegada ligação ao casamento. Como aliás o prova a decisão ontem noticiada do tribunal de Oliveira de Azeméis, ao entregar a guarda de duas meninas ao tio homossexual que vive em união de facto com um homem. O tribunal agiu assim porque considerou que era aquela a pessoa que tinha melhores condições para as acolher - e é só isso que nos deve interessar: o superior interesse das crianças. Tudo o resto é preconceito e ódio. Que haja quem se oponha com igual preconceito e ódio ao casamento de pessoas do mesmo sexo e à adopção por homossexuais não nos deve fazer confundir os planos. Nem baixar os braços. A luta continua.

 

(publicado hoje no dn)

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