Diários Afegãos
Há exactamente um ano, no post «prioridades -- a escolher», a Fernanda traçou um retrato da situação afegã que, de então para cá, apenas se alterou no que respeita ao desvio do foco da atenção internacional pela mão de Barack Obama. No discurso em que traçou a estratégia para o Afeganistão, Obama declarou que «Para o povo afegão, um regresso ao domínio dos Talibãs condenaria o país a um governo brutal, ao isolamento internacional, a uma economia paralizada e à negação dos direitos humanos mais básicos ao povo afegão - especilamente mulheres e raparigas».
E de facto, mulheres e raparigas, como já relatei aqui na jugular, foram destituidas dos mais elementares direitos no Afeganistão, não só pelos talibãs mas também pelo conjunto de bárbaras leis tribais conhecidas como Farhang, Pashtunwali entre os Pashtuns. No entanto, oito anos de intervenção internacional não alteraram significativamente a situação das mulheres, em particular fora de Cabul. O presidente Hamid Karzai, um pashtun, assinou uma lei em Agosto que, mesmo depois de alterada após o repúdio internacional que gerou, exige que as mulheres tenham permissão dos maridos para coisas tão elementares como trabalhar, dá a custódia de crianças apenas a pais e avôs e legaliza a violação marital.
Não admira assim que em Novembro a UNICEF tenha declarado o Afeganistão o pior país do mundo para se nascer. Mulheres e raparigas continuam a sofrer opressão diária e violência epidémica. Por exemplo, continuam os ataques a escolas femininas: apenas em 2008, realizaram-se 283 atentados de que resultaram 92 mortos e 169 feridos. Nem a criação em 2004 de uma pasta da Condição Feminina, com a única mulher do governo afegão à frente, alterou significativamente a situação. Não penso que a recondução de Husn Banu Ghazanfar vá fazer grande diferença nem que as forças internacionais se preocupem muito, para além de palavras de conveniência, com a situação feminina no Afeganistão.
A razão porque penso isso pode ser ilustrada num artigo de Carol Mann, directora da FemAid e professora de antropologia na Sorbonne, reproduzido em inúmeros jornais internacionais, nomeadamente no Guardian, O parágrafo destacado no artigo original, explica em boa parte porque razão a alteração da violência endémica contra as mulheres neste país não faz parte das prioridades internacionais no Afeganistão:
«Questionar culturas é uma aproximação politicamente incorrecta. Mas devemos recusar fazer vénias ao altar da tolerância quendo se trata do que é verdadeiramente inaceitável, onde quer que ocorra, e isto é o que o mundo assiste passivamente no Afeganistão. (Questioning culture is a politically incorrect approach. But we must refuse to bow before the altar of tolerance when it comes to what is truly unacceptable, wherever it occurs, and this is what the world is witnessing passively in Afghanistan)».
Mann continua perguntando se «a diversidade autoriza mortes tão brutais e violência sem sentido apenas porque algumas práticas supostamente tradicionais permite que as raparigas sejam casadas antes de o seu corpo estar pronto e lhes negam assistência médica no parto?
A luta contra a mortalidade maternal deve ser uma prioridade global. Uma sociedade que permite a brutalização das mulheres permanecerá um campo fértil para violência generalizada.»