Criacionismo na Agência Italiana de Ciência
O teólogo Roberto De Mattei ensina História do Cristianismo e da Igreja na Universidade Europeia em Roma e é o presidente da Fundação Lepanto, um grupo católico que pretende defender os princípios e as instituições da civilização cristã ocidental. Entre estes princípios parece estar o criacionismo hard core, versão Terra jovem.
De Mattei, infelizmente nomeado pelo governo Berlusconi vice-presidente do CNR, a instituição que financia a investigação em Itália, acabou de publicar, no ano em que se celebra em todo o mundo os 150 anos da publicação d'«A Origem das Espécies», um livro pomposamente intitulado «Evolutionism: The Decline of an Hypothesis».
O livro reúne as conclusões de um painel que De Mattei organizou para o CNR em Fevereiro que, supostamente, discutiu as «falhas» do evolucionismo. Como seria de esperar, está recheado de disparates, por exemplo pretende que os métodos de datação estão todos errados, a idade da Terra conta-se por milhares de anos, o Dilúvio é que baralhou as contas todas aos cientistas que não se aperceberam que os dinossáurios só se extinguiram há 40 mil anos. Aliás, na introdução, de Mattei critica veementemente os cientistas que, para além de não aceitarem que a teoria da evolução não é suportada por evidências, negam a «verdade» metafísica, mais concretamente que Deus criou o Universo e a Terra (em sete dias, provavelmente).
Quer o livro quer o painel foram financiados pelo CNR o que está a levantar uma polémica acesa em Itália, em particular no meio científico. De Matteo responde às críticas com a táctica habitual: carpindo ao Corriere della Sera que está a ser vítima de «intimidação intelectual». Pelo que se depreende das suas declarações à Science, o presidente do CNR apoia o seu vice: «Gostaria de frisar que a investigação intelectual é uma actividade aberta e a minha oposição a qualquer forma de censura», algo com que estaria de acordo se o criacionismo fosse algum tipo de actividade intelectual. Na realidade, é mais inactividade intelectual como desabafou à Science Ferdinando Boero, um zoólogo da Universidade de Salento, «Nós não estamos a falar de liberdade de expressão. Se enviarem um artigo científico afirmando que a Terra é plana, nenhuma revista científica o publicará».
Nem mais, este livro não tem rigorosamente nada a ver com investigação, muito menos científica, por isso é completamente inconcebível que semelhante coisa tenha sido financiada pela agência italiana de investigação científica, em nome de uma suposta liberdade de expressão. Nunca percebi esta carpidura da liberdade de expressão em coisas que têm tanto a ver com liberdade de expressão como este monte de lixo tem a ver com ciência.