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Convalescença adiada

Confesso a minha surpresa pelo artigo de Ricardo Reis no i de sábado em que se queixa de ser vítima de um maldoso boato propagado, entre outros, por João Rodrigues e por mim mesmo, segundo o qual ele teria afirmado em Agosto de 2007 que, “dentro de um mês a crise estaria esquecida”.

E onde reside, afinal a nossa mentira? Segundo Ricardo Reis, quem tiver lido toda a entrevista ao Diário Económico (e não apenas o título, que, presumo, considera pouco rigoroso), compreenderia que o que disse foi outra coisa, a saber, que nessa altura haveria apenas uma crise de liquidez, a qual, a menos que se convertesse numa crise financeira e depois numa crise real, rapidamente se varreria da nossa memória.

Concede que isso pode ser considerado um tanto oco (“pode ser grave, pode não ser, quem sabe”), mas que, admitida a sua vaguidade, a previsão até se revelou correcta. Tanto lhe basta para acusar de “preguiça”, “burrice” ou “desonestidade” quem assim não pense.

Postas as coisas nestes termos, não me resta senão voltar ao assunto.


Em primeiro lugar, não fomos só eu e o João Rodrigues que interpretamos mal Ricardo Reis. O mesmo sucedeu com Tavares Moreira no Quarta República e André Azevedo Alves no Insurgente. Convenhamos que já é muita a gente a treslê-lo, mas compreendo que não os mencione para evitar insultar publicamente gente de quem, ao que parece, se encontra ideologicamente mais próximo.

Em segundo lugar, Ricardo Reis erra ao afirmar que a sua entrevista foi concedida em Julho de 2007, com o que parece querer justificar a sua percepção de que, nessa altura, se estaria ainda apenas perante uma crise de liquidez. Não o digo por ter sido publicada em 29 de Agosto, mas por nela ser comentada uma declaração de Teixeira dos Santos de 1 do mesmo mês. Não resta, pois, a mínima dúvida que a entrevista é mesmo de Agosto.

Recordo que as bolsas caíram com fragor a 7 de Agosto. Logo, resta a hipótese de a azarada entrevista ter sido concedida entre 2 e 6 (sem esquecer que, de permeio, ainda houve um fim de semana) para o álibi do nosso opinante se manter de pé.

Mas seria legítimo pretender-se, na primeira semana de Agosto, que a crise de liquidez não se convertera ainda em crise financeira? A meu ver, não era: como poderia alguém supor que, dada a sua dimensão, a crise do subprime, então já bem evidente, não teria graves repercussões sobre o sistema financeiro americano e mundial?

Por tudo isso me surpreendeu o modo como Ricardo Reis decidiu repegar no assunto. Poderia ter admitido que se exprimiu mal, ou argumentar que à data da entrevista as coisas ainda não estavam claras, ou, mesmo, reconhecer que se enganou, mas não tem argumentos para pretender que a sua previsão se revelou correcta e que quem não o reconhece (muita e variada gente, como vimos) padece de uma grave falha de carácter e espalha “mentiras”.

Eu acho normalíssimo que alguém se engane, e estou certo de que já me enganei mais vezes e com mais gravidade do que Ricardo Reis. Aflige-me apenas a ideia de que tantos economistas se apeguem com o afinco que podemos constatar a concepções cujas limitações a presente crise revelou à evidência e que, por conseguinte, lhes custe tanto reconhecer (como, por exemplo, fez Alan Greenspan) que, a dado momento, elas lhes toldaram a capacidade de juízo, a ponto de continuarem a negar o desastre quando ele já era evidente para tanta gente.

A terminar, deixo-vos com mais duas judiciosas previsões de Ricardo Reis:

“O efeito na economia real dos problemas nos empréstimos ‘subprime’ deve ser pequeno.” (…) “O verdadeiro perigo é que os bancos estejam em piores sarilhos do que descobrimos nos últimos dias despoletando uma crise financeira. Mas, os bancos centrais estão vigilantes, pelo que este ainda é um cenário improvável” (DE, 16.8.07).

"Por um lado, a macroeconomia sugere uma manutenção das taxas de juro. Por outro lado, os mercados financeiros esperam que as taxas caiam 0,5% para restabelecer a calma e reactivar o mercado dos CDO. Manter as taxas pode levar a falências em catadupa e causar uma crise financeira; descê-las deve aquecer a economia e gerar inflação". (DE, 11.9.07)

Fiquem aí à espera do aquecimento e da inflação, que eu volto já.
 

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