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Dos Estereótipos e dos Feminismos

texto de Inês Meneses (aka fuckitall, em www.womenageatrois.blogspot.com) Dois tipos de protestos quanto à imagem feminina na publicidade têm sido importantes na agenda feminista que vem a público. Um, que em boa medida subscrevo, tem que ver com o retrato dos papéis de género. Entenda-se por isto a estafada mas massiva e quase nunca alterada imagem da mulher como única responsável pelas tarefas domésticas e pelo “cuidar dos filhos”, a mulher que consome apenas produtos para cuidar o corpo – o seu, o da família e, até, o da casa. A mulher consome para dar. O contraponto é o homem que vive para a competição e o prazer, que compra bebidas, carros e telemóveis. O homem consome para ganhar. Os publicitários dizem, regra geral, que isto espelha a realidade do consumo nacional e que eles se limitam a trabalhar para essa realidade. Alguns de nós achamos que a realidade não se esgota nisto, que a realidade pode e deve mudar e que o uso permanente e repetido até à náusea destes estereótipos contribui muito para a lentidão de tal mudança, enclausurando ambos os géneros em papéis e auto-imagens rígidos. Tentar resolver este conflito através de uma ou outra forma de censura é, no entanto, quanto a mim, inaceitável. As mulheres não são uma minoria, nem vivem na actual sociedade portuguesa numa situação tal de inferioridade cultural ou económica que justifique o uso de algo que, em democracia, só pode ser uma excepção (a regulação a priori e vinda de cima de discursos e imagens). Se os estereótipos quanto aos papéis de género na publicidade nos incomodam deveras, a muitas mulheres e muitos homens, temos bom remédio. Basta que não compremos os produtos assim anunciados, que se escreva sobre o assunto quando acharmos o estereótipo mais ofensivo, se promovam boicotes (a Internet para alguma coisa serve, e para este tipo de fim serve muito). Se não o fazemos, a culpa é apenas nossa. De algum modo, aceitamos ser assim retratados. Outra crítica à publicidade passa pelo uso de imagens de nudez feminina, de mulheres erotizadas, objecto e/ou sujeito de sexualidade (vejam-se as recentes polémicas com o anúncio da Dolce&Gabana e com o cartaz do Crazy Horse no Casino de Lisboa), ou simplesmente da mulher enquanto símbolo de algo desejado (como na publicidade à SuperBock no Verão passado). Aqui, é-me impossível concordar com aquilo que normalmente vem a público como posição feminista: a ideia de que estas imagens ofendem a mulher, a “utilizam” e “degradam”, porque a “transformam em objecto sexual”. Perdão? Transformam? Eu julgava que éramos todos, homens e mulheres, sujeitos e objectos sexuais, graças a deus, muito obrigada. Como mulher e feminista, ofende-me o conceito de que tudo o que tem a ver com sexo é do interesse masculino, ergo mulheres retratadas em situações sexuais estarão apenas a ser usadas pelos homens. Mostrar o corpo feminino como algo de belo e desejável, só pode parecer mal a quem tem saudades de outros tempos, dos tempos do recato e do controlo público sobre as mulheres. Dos tempos em que mulheres que mostravam (ou usavam) o corpo não mereciam respeito. Em que uma mulher publicamente sexualizada era uma mulher, de alguma forma, menor. Este discurso parece-me errado, do ponto de vista feminista, em toda a linha. Em primeiro lugar, reproduz esta noção da mulher como objecto passivo e desinteressado da sexualidade. Depois, sustenta que a imagem pública do corpo feminino deve ser objecto de um controlo específico, deve ser limitada por outra coisa que não a livre vontade das próprias mulheres. Mantém a ideia de censura – e nenhum discurso que se queira ligado a valores de libertação, seja o feminismo ou outro qualquer, se pode basear num conceito próprio de quem se vê como regulador iluminado da vida dos outros. Este feminismo de tendência conservadora é o mesmo que, mais ou menos com os mesmos argumentos, advoga a proibição da pornografia e da prostituição. Tal como na publicidade ou na moda, as mulheres que trabalham nestas profissões (ao contrário dos homens?) estariam a ser exploradas, as suas escolhas seriam inválidas, pouco livres e mal informadas. Eu, por outro lado, acredito que como em qualquer profissão as pessoas têm é que ter escolha e que ter direitos. Se falamos de feminismo e de estereótipos, eu diria que todos os estereótipos que constituem o pior do machismo estão aqui. A mulher que só por vontade do homem se mostra e se sexualiza, sendo necessariamente nisso uma vítima. A mulher que não sabe gerir a sua própria imagem e o seu próprio corpo, que precisa de proibições que a defendam. E o conceito de que uma mulher que mostra publicamente nudez ou, pior, desejo sexual, se vê degradada. Se as pessoas têm direito a não gostar deste tipo de imagens? A aplicar aqui o tal direito ao protesto e ao boicote? Com certeza. Aqui como em tudo. Não podem é dizer que o fazem pelas mulheres e pelo feminismo. Algumas de nós, mulheres e feministas, acreditamos que estes protestos são um novo reduto do machismo, uma espécie de lobo disfarçado de cão-pastor. E estamos fartas de ser cordeiros.

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