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jugular

até já, joão

joão miguel tavares despede-se hoje da sua coluna do dn. gosto do joão e é provavelmente uma das pessoas com quem trabalhei -- foi meu editor na secção de sociedade do dn em 2005/2006 -- com quem me dei melhor, apesar de não terem faltado umas boas discussões (mas que é o raio de uma redacção sem uns gritos e umas portas a bater?). temos, na prática, apreciações muito semelhantes do que é o jornalismo e do que é uma boa história, e praticámo-las em equipa, o que deixa sempre uma impressão duradoura -- e, neste caso, grata.

 

ao longo do seu tempo de colunista no dn, o joão escreveu muitas coisas com as quais não concordei. algumas chegaram ao ponto de me indignar. não concordo com uma premissa que o joão toma como certa, a de que um colunista pode acusar sem consubstanciar acusações porque a consubstanciação é uma obrigação dos jornalistas. o joão talvez ache que com isso está a combater aquilo a que chama 'a cultura do respeitinho'. eu acho que o joão está desse modo a contribuir para uma cultura de acusações gratuitas e criminosas (sim, é mesmo esta a palavra) que mina a liberdade de expressão e até acho mais: acho que o joão é profundamente incoerente no que respeita à cultura das acusações inconsubstanciadas nas suas posições sobre estas matérias, como revela por exemplo a sua indignação com o que sucedeu no caso maddie mccann. parece-me que o joão tem vários pesos e medidas quanto ao respeito pelo bom nome e, claramente, quanto às garantias legais da presunção da inocência.

 

por via daquilo que considero ser a sua irresponsabilidade e do que só pode ser descrito como estupidez e má fé de muita gente, o joão tornou-se uma espécie de mártir da liberdade de expressão em portugal. espero que isso não lhe suba à cabeça -- as conversas que tenho tido com ele fazem-me crer que vê o facto com saudável ironia -- até porque se em alguma coisa isso resultou foi em subir-lhe a cotação no mercado e torná-lo um troféu cobiçado em vários meios (dificilmente a marca de um país amordaçado, mas enfim).

 

o joão escreve na sua coluna que a sociedade portuguesa não tem uma cultura de liberdade. eu concordo: acho que em portugal não se reconhece o valor da liberdade. o joão dá como exemplo a falta de transparência da administração pública, um assunto em relação ao qual estamos de acordo mas que não tem tanto a ver com a liberdade como com a falta de espírito democrático (são coisas ligeiramente diferentes). o joão não se lembrou -- talvez nem tenha reparado -- que essa falta de respeito pela ideia de liberdade está muito mais patente na incapacidade de avaliar as posições individuais e os próprios indivíduos em função delas e deles próprias e não de pretensos alinhamentos e na perspectivação, tão clara, das opiniões em função de barricadas. essa falta de respeito está por exemplo presente na forma como o joão escreveu sobre o pedro marques lopes, ao assumir que se ele está contra opinadores que fazem acusações sem provas só pode ser um defensor do primeiro-ministro que pôs um processo ao joão com base no facto de ele lhe ter feito acusações sem provas. aparentemente, ao joão não passou pela cabeça que o pedro possa estar a falar em tese geral -- tem de imediatamente o vincular a um grupo, a um interesse, a uma barricada. como quem diz: não há homens livres.

 

além de ser profundamente contraditório -- afinal, se não há homens livres, teriamos de perguntar que interesses alheios serve o joão -- isto é sobretudo triste. a minha esperança é que o joão, como muitas outras pessoas, perceba um dia, o mais rapidamente possível e esperançadamente não à sua custa, que muito do que andou a dizer e defender é em si um atentado à liberdade.

 

por fim, uma nota: o joão diz que o dn, sob os vários directores que cita, foi sempre um espaço de liberdade. cita entre os directores sob os quais trabalhou fernando lima. em 2004, já o joão trabalhava no dn (estava lá antes de eu entrar), lima censurou uma coluna minha -- ou seja, impediu uma coluna de ser publicada e por motivos claramente políticos. o facto foi público e alvo de um protesto do conselho de redacção de então. é certo que a coluna era minha e não do joão miguel, mas quando defendemos a liberdade pela liberdade não devemos abrir excepções. sei que foi esquecimento, joão. mas devias pensar nisso: nas coisas que lembramos e nas que esquecemos, e porquê.

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