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Os intocáveis

O João Miguel Tavares não acha “que um colunista tenha de “provar” acusações, críticas ou innuendos”. E eu, aqui do meu cantinho, acho que o JMT tem toda a razão no que diz. Um colunista, um camionista, um feirante, todos têm direito a dizer o que pensam sem terem de provar o que quer que seja. Com efeito, uma das características da norma jurídica é precisamente a violabilidade. Um gajo — o tal camionista, por exemplo — pode, só porque lhe apetece, atropelar e matar quem se lhe atravesse. Depois, sofre ou não as consequências, conforme seja ou não apanhado. Até pode optar por sofrê-las voluntariamente, indo entregar-se à polícia e confessando o crime perante o juiz, em sede de julgamento. A lei pode ser vista como a ementa de um restaurante. Escolhemos os pratos que quisermos e que pudermos pagar. Pagamos de acordo com o que, voluntariamente — como homens livres —, optámos por comer. Muitos colunistas — não me parece que seja o caso do JMT —, podem ter exactamente esta visão da lei. É, aliás, perfeitamente legítimo. Eu, após pesar na balança os prós e os contras, opto por difamar um indivíduo. E faço-o, acreditando que até posso vir a ser punido, mas retirando um gozo — ou um provento, já agora — maior da prática do acto ilícito do que retiraria se não dissesse o que me vai na alma, ou na alma do alma grande que me encomendou o sermão.

Ou seja, em termos estritamente técnicos, é impossível desmentir o JMT. Mas, como não acho que tenha sido este o seu raciocínio — o qual, reitero, seria legítimo —, cabe também falar aqui do puro e duro da questão. Se bem percebi, o JMT não só acha que não tem de provar nada, como acha também que, como colunista que é, não pode ser punido por não provar (exceptio veritatis) uma qualquer afirmação que seja atentatória da honra do eventual visado. E depois, atira-nos com a falácia do ano, já com este a finar-se: “A ocorrer essa confusão, estaríamos condenados a apenas falar sobre o que quer que fosse após uma sentença ter transitado em julgado.”.

Não é verdade. Cheira-me mesmo que é possível fazer uma boa crónica sem estar à espera dum maçador e arrefecedor trânsito em julgado. Até já li algumas. Confesso que não tenho o hábito de ler o JMT, mas desconfio que até ele já terá escrito boas crónicas, sobre temas judicialmente ao rubro, sem pisar aquele risco que ele acha que os colunistas — essa espécie de deuses — podem pisar quando bem entenderem. Diz o João que se deve poder dizer que o “poder municipal é muito permeável à corrupção”. Eu digo que depende, pode sim, se essa frase não estiver inserida num contexto que leve o leitor a pensar — legítima e fundadamente e baseando-se na crónica que leu — que o colunista se está a referir a alguém em concreto.

Obviamente — e isto chega mesmo a doer de tão óbvio que é —, eu posso dizer aqui na jugular que determinado individuo, que é consabido andar a ser investigado por uma fraude que envolve dinheiros públicos, é um crápula que estava bem era atrás das grades. E depois, para me justificar — perante a minha consciência, ao menos —, reputo as minhas fontes, que são os jornais que leio e os mentideros em quem me movo, de credíveis. E do resto lavo as minhas mãos. O crápula-que-afinal-não-era-e-mesmo-que-seja-não-me-cabe-a-mim-maculá-lo-antes-duma-sentença-transitada-em-julgado, pardon my french, que se foda. A pena acessória com que eu lhe pespego, e com que ele vai carregar enquanto alguém tomar a minha afirmação por boa, não me interessa. São as cruzes dele, quem o mandou atravessar-se no meu caminho de blogger intrépido cheio de boa-fé? Afinal, como diz o João, “a investigação pareceu-me bem fundamentada, o jornal merece-me credibilidade, escrevi a partir daí". De boa-fé. É mais ou menos como ir a um aniversário sem levar presente e depois dizer, com ar de Seinfeld, “eu não sabia!”.

Parece-me pois evidente que o JMT não tem o direito de fazer o que apregoa poder fazer, “sem necessidade de ter de “provar” a veracidade daquela investigação”. Afirmar “Isso implicaria quer cada colunista tivesse uma equipa completa de fact checkers atrás de si ou, ainda melhor, um departamento da PJ ao seu serviço para averiguar se aquilo que foi escrito numa investigação de um jornal de referência é mesmo verdade” é tomar-nos por parvos. E à grande.

Não é preciso essa parafernália toda, João, basta um bocadinho de bom senso. E de chá. O que realmente me admira não é o JMT pensar como pensa, é ter a coragem (lata?) de o escrever e assinar por baixo. A tese do "estar de boa-fé", de poder dizer o que me der na telha desde que “a priori não tenha consciência de que esteja a cometer uma injustiça” ou é ingénua (dando de barato a boa-fé) ou é simplesmente tonta (sempre gostaria de saber a quem caberia o ónus da prova ou contra-prova dessa boa-fé, se ao João se ao visado, mas enfim). Num caso e noutro, dou razão ao JMT: a sua “cotação no mercado” está num nível — vê-se por esta amostra — de que ele não é merecedor.

Mas uma coisa o JMT merece, é ficar para a posteridade como o homem que defendeu que os colunistas estão acima da lei. Que são umas espécie de intocáveis, que podem irromper impunemente pelas alcovas dos seres menores que com eles partilham o terreno. Afinal, quando encostados à parede, podem simplesmente dizer, apontando para um qualquer jornalista: “foi ele, mamã!”.

Foi ele!, que eu sou um colunista.

 

A ler: Ego sum, do mestre Valupi.

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