E eis que de repente me dei conta de que
Isto ocorreu no outro dia. Estava à frente da TV e dou por mim a ouvir e a ver uma série de jogadores de clubes de futebol portugueses. E eis que me ponho a reparar nos penteados, nos brincos, nos bonés.
Vá lá, não pensem que não sei que o Beckham é que lançou aquela cena bling-bling, os diamantes nas orelhas e assim, no meio futebolístico. A malta é distraída mas não tanto. Claro que a tendência começou no hip hop e nos clips americanos, se bem que se calhar a maior parte das pessoas não reparou: com aquela parafernália de tipas semi-nuas a dar ao rabo nos vídeos sobra pouco espaço e atenção para os brincos do gajo que está a fazer rimas com “bitch”, quanto mais decifrar o logo do boné Gucci. De modo que para o vulgo , o pessoal da tasca e do coirato, que enche os estádios e só lê os desportivos, a cena diamantes nas orelhas apareceu assim de repente. E o que me deixa maravilhada é que, num país em que por dá cá aquela palha – nomeadamente a maneira como este ou aquele se veste, o penteado ou despenteado que usa, os sítios que frequenta, o tom de voz, o nó da gravata, ou outra idiotice qualquer – se elaboram histórias intrincadas sobre a orientação sexual dos cidadãos, ninguém parece questionar o carácter mui macho dos futebolistas, por mais que pintem e permanentem e entrancem as falripas, por mais que enfeitem os lóbulos, por mais que se encham de sedas e folhos e logotipos e por mais que saltem para cima uns dos outros, se apalpem e se esfreguem no balneário. (Sim, OK, ouvi falar do caso Calado – mas que eu saiba o caso Calado teve a ver com a criação de um boato, ponto.)
Num país em que os homens, nomeadamente os que mais vibram com as peripécias futebolísticas, acham que um tipo que se perfuma, compra cremes para a cara, faz manicure, corta os pelos do nariz e das orelhas e se rala com o que se veste ou é estrela de cinema-TV-disco-ou-cassete-pirata ou “joga na equipa contrária”, os plantéis passam de fininho ao largo da maledicência homofóbica reinante, sem que a algum “repórter” cor-de-parvoíce alguma vez tenha ocorrido questionar os seus membros, a propósito de tanto frou-frou, sobre as particularidades da sua vida privada. Como se os rios de dinheiro que os futebolistas ganham, mais aquela espécie de cultura de tropa, justificassem qualquer excentricidade e esta muito curiosa espécie de “estado de graça” – deixando os preconceitos e as fobias todos na mesma.
Milagres.
(texto publicado no DN-sport de sábado, 2 de Junho)